Fábio Giambiagi compara a situação da Previdência ao aumento de temperatura de um paciente que não toma remédio. “Se não fizer nada, vai morrer”. Especialista no tema, o economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) responde prontamente ao e-mail da Agência Nossa que levava as perguntas para esta entrevista. Na réplica às primeiras respostas, com novas indagações sobre a reforma, ele leva menos de meia hora para devolver – uma amostra de que não gosta de deixar pendências para o dia seguinte. É assim que ele também vê a Reforma da Previdência: não deixar para amanhã o que se podia ter feito ontem. Categórico e defensor contumaz das novas regras previstas no texto da emenda constitucional, Giambiagi classifica de “tara nacional” o hábito crônico dos brasileiros de empurrar com a barriga. A entrevista foi realizada antes do furacão que abala a República desde a última quarta-feira, mas a resposta sobre o que pode acontecer com o Brasil sem a reforma continua “atualíssima”.
Foto: Ricardo Borges
Agência Nossa: A relação entre receitas e despesas do INSS era de equilíbrio até meados dos anos 90. O que mudou e está mudando tão rapidamente a ponto de o governo propor uma reforma tão polêmica?
Fabio Giambiagi: O que mudou é que o futuro chegou. Nelson Rodrigues dizia que “não há nada mais difícil e cansativo do que demonstrar o óbvio”. O que aconteceu é o que aqueles que sempre defenderam a reforma estavam berrando há 20 anos que iria ocorrer. Um dia o futuro chega. Poderíamos ter nos preparado melhor para a situação atual, mas antes tarde do que nunca.
Quantos anos mais a Previdência resiste sem uma reforma para o equilíbrio de contas? O Brasil conseguiria de realizar outros investimentos sociais sem promover esta reforma?
Isso é como responder à pergunta de quanto tempo uma pessoa pode ficar sem fazer nada enquanto a sua temperatura sobe 0,1 graus todo dia. A pessoa precisa fazer algo necessariamente um dia X? Não necessariamente, mas se não fizer nada, vai morrer. Foi por ter agido com base nesse princípio de “deixa ver como é que está para ver como é que fica” que a conta do INSS, que era de 2,5 % do Produto Interno Bruto (em meados dos anos 90), será de 8,5 % do PIB este ano. Chega de empurrar os problemas com a barriga. Essa é uma espécie de tara nacional, que nos conduziu ao desastre atual.
As diferenças regionais, inclusive de expectativa de vida a partir dos 65 anos (o tempo de vida após se tornar idoso) justificariam regras diferenciadas para cada região ou estado brasileiro? Por quê?
Claramente não. É curioso: há 29 anos a Constituição estabeleceu regras nacionais unificadas de aposentadoria e só agora os críticos da reforma resolvem apelar para o argumento das diferenças regionais? Além disso, o argumento é falso porque no grupo dos que chegam aos 60 anos, as diferenças de expectativa de sobrevida entre o Norte/Nordeste e o Sul/Sudeste são pequenas. O IBGE publicou há alguns anos “Indicadores Sociodemográficos Prospectivos” com projeções até 2030 e a expectativa de vida para quem terá sobrevivido até os 60 anos em 2020 seria de 81 anos para os homens no o Brasil e de 80 anos para o Nordeste e para o Norte. É evidente, portanto, que este não é um assunto relevante estatisticamente. Na minha profissão eu aprendi o seguinte: não brigo com números. Aprendi a respeitar o que eles dizem.
Há uma discussão sobre o tamanho do rombo da previdência que divide governo, especialistas e entidades representativas de classe. Alguns falam que houve superávit até 2015 e defendem que os recursos da Seguridade Social foram destinados para outros fins. Sob esta lógica, investimentos sociais como educação e saúde não deveriam caber no conceito de Seguridade? Seria esta a origem da brecha na lei quanto ao conceito do que é seguridade?
Há uma divisão que precede isso: a divisão entre aqueles que são a favor da reforma e aqueles que são contra. E os que são contra apelam para a contabilidade criativa, que tantos males causou ao país até 2015. O debate sobre isso tem um quê de surrealismo. Tente explicar isso para um estrangeiro e não haverá um único estrangeiro que entenda o ponto. É um não assunto. A questão é: teremos uma sociedade que terá uma proporção cada vez maior de idosos. Ou nos ajustamos diante disso ou o país não tem futuro. Quem julga que o problema é contábil, simplesmente não entendeu nada da situação. Para que o leitor entenda, é como se num casal cuja casa será hipotecada porque o casal gasta mais do que ganha, o marido e a esposa ficassem discutindo se o déficit é de um ou de outro. O que importa é que se o casal não se ajustar a casa vai ser hipotecada. E “hipotecar a casa” neste caso significa quebrar o país. Eu não quero que o país quebre. E quem defende esse argumento não quer fazer nada para mudar as coisas.
A Reforma da Previdência apresenta um artigo que provoca o fim das isenções previdenciárias a exportadores, incluindo os ruralistas do agronegócio. Há espaço para ampliar essa medida, sem afetar pequenos empreendedores que hoje são beneficiados com essas isenções?
Sempre é possível atacar com mais eficácia esses problemas, mas não nos enganemos. Repito: a despesa do INSS era de 2,5 % do PIB e será de 8,5 % este ano. Diante disso, dizer que o rombo previdenciário é causado pelas isenções é como dizer que um tornado em Oklahoma está sendo causado porque o vizinho do 402 ligou o ventilador muito forte.
Nossa: As regras que ampliam o tempo de contribuição e estipulam idade mínima podem excluir milhões de pessoas da Previdência, sobretudo no campo, segundo pesquisadores especializados em pobreza. Além do impacto social, isso também poderia afetar a arrecadação?
Essa discussão é extemporânea. O substitutivo já recuou em quase todos os pontos acerca das aposentadorias rurais, para as quais muito pouco vai mudar. É verdade: haverá uma contribuição individual para os trabalhadores rurais. Agora, sejamos honestos. De quanto será? Provavelmente de 5%. Ninguém vai me convencer de que o trabalhador rural não dispõe de 50 R$ por mês para pagar o INSS. Ele tem dinheiro para pagar o celular, não tem? Quer dizer que o celular é mais importante que o INSS? É um argumento que não se sustenta. Isso é populismo da pior espécie.
Por que a cobrança de dívidas “pagáveis” de devedores do INSS não é suficiente para resolver o problema das contas da Previdência?
Por uma questão de proporção. Isso poderia resolver o problema do déficit de alguns meses. Resolvida a questão, posteriormente o déficit continuaria aumentando e não haveria mais dívida ativa para a qual apelar. A dívida ativa é algo que sempre tem que ser cobrado, mas achar que isso resolve o problema é confundir as coisas.
Com a reforma, qual será o alívio nas contas públicas?
A reforma visa evitar que as contas piorem mais ainda. Ela não elimina a necessidade de ajuste que será uma constante tanto este ano como em 2018, 2019, 2020.. ainda por alguns anos.
Por outro lado, levar pessoas a se aposentar mais tarde vai provocar necessidade de mais emprego para idosos e uma pesquisa do Ipea mostra que o falta de ocupação neste grupo etário cresce exponencialmente. Existe solução?
A reforma terá uma transição longa que se estenderá durante 20 anos. Nesses 20 anos, a proporção de jovens cairá muito, de modo que a tendência é que com o passar dos anos haja maior procura por mão de obra de uma população mais “cinza”, para se referir aos grisalhos como eu.
O governo recuou em alguns pontos como a idade mínima da mulher, do trabalhador rural, do beneficiário do Benefício de Proteção Continuada (BPC), policiais e professores. Há espaço para recuar mais?
Espero que não!!!
Texto editado por Claudia Mancini e escrito por Sabrina Lorenzi