Na sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio, a terceirização de serviços administrativos acabou com final inusitado para os funcionários. Para evitar o pagamento das rescisões trabalhistas após o fim do contrato, a terceirizada transferiu trabalhadoras para um hospital onde ficavam o tempo todo no refeitório, sem atividade, segundo denúncia apresentada pelos empregados. Outra funcionária teve que manipular munição de arma em uma empresa de segurança, tarefa para a qual não estava preparada.
A empresa contratada pela Fiocruz perdeu o contrato por não honrar compromissos trabalhistas. A prática de deslocar funcionários de suas funções originais tornou-se uma artimanha comum de prestadoras de serviços para fugir de compromissos trabalhistas, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT).
A deterioração da renda do trabalho é uma das principais consequências das mudanças trabalhistas no Brasil, preveem especialistas em legislação trabalhista consultados por esta reportagem. O procurador-geral da República materializa o temor de opositores às mudanças em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada no final de junho. A liberação da terceirização de todas as atividades torna-se explícita na Reforma Trabalhista aprovada nesta terça-feira.
Janot afirma que a nova legislação abrirá caminho para empresas substituírem empregos diretos por prestadores de serviços que na média, pagam salários menores. A liberação da terceirização da atividade-fim não está clara na Lei da Terceirização, sancionada pelo presidente Michel Temer em março. A consolidação das regras foram incorporadas à Reforma Trabalhista.
Com base em dois estudos, Janot afirma que o “rebaixamento remuneratório” é uma das consequências inerentes à dinâmica da terceirização. Um terceiro estudo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra
que nas atividades onde a prática já é adotada com maior frequência, os ganhos podem chegar à metade do que recebem os celetistas, dependendo da profissão.
É o caso dos vendedores no comércio varejista, que têm remuneração 49% menor quando são terceirizados. Cozinheiros (18,4%), assistentes administrativos (17,8%), serventes de obras (16,8%), auxiliares de escritório (13,9%), motoristas de caminhão (12,2%), trabalhadores da limpeza pública (11,6%) e recepcionistas (11,5%) também recebem menos. Das quinze atividades que mais concentram terceirizados, apenas a de zeladores de edifício não apresentam ganhos menores, mostra o Ipea.
Por outro lado, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirma em estudo semelhante, que entre empregos de alta qualificação, que exigem mais estudo e especificação, ocorre o contrário. A áreas de pesquisa e desenvolvimento, bem como a de tecnologia da informação pagam salários maiores aos terceirizados. No entanto, a mesma pesquisa
aponta um salário médio menor de 17% de empregados terceirizados em comparação com rendimento dos empregados diretos.
Para especialistas em legislação trabalhista, o pagamento de salários menores reflete a frágil condição financeira da maioria das empresas terceirizadas. “Essas empresas se constituem da noite para o dia, muitas são pequenas e sem patrimônio. No momento da cotação da concorrência, essas prestadoras oferecem preços baixos para ganhar o contrato e acabam não cumprindo os direitos, como pagamento de horas extras, porque o valor não cobre todas as obrigações que tem que arcar junto ao empregado”, afirma o juiz do trabalho Luiz Colussi, diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Foi justamente o que ocorreu na Fiocruz ao terceirizar os serviços administrativos. “Como já estava com problemas de atrasos nos pagamentos e sendo multada pela Fiocruz, a Milênio queria ficar com o dinheiro do fundo que serve para cobrir despesas rescisórias”, relata o assessor da Presidência da Fiocruz, Marcus Giraldes.
O contrato terminou há cerca de dois anos mas ainda gera problemas para a instituição pública e para ex-empregados, que lutam na Justiça pelo pagamento de direitos. Segundo denúncia dos trabalhadores, o objetivo da terceirizada Milênio era fazer uso de assédio moral e constrangimento para forçar demissão voluntária, evitando assim o pagamento das verbas.
O caso foi acompanhado pelo MPT, que constatou o emprego de parte do pessoal na própria sede da empresa em desvio de função, em órgãos públicos e alocadas em empresas privadas, segundo o procurador Rodrigo Carelli.
A Milênio tem sede registrada junto à Receita Federal no município de Comendador Levy Gasparian, no interior do Estado do Rio. A linha telefônica do endereço em sites de lista telefônica é inexistente, segundo gravação da operadora telefônica. O advogado da empresa Franklin Estrella não retornou as ligações.
“Uma das críticas feitas por quem defende a Reforma é justamente o grande número de processos que chegam à Justiça do Trabalho. São de fato mais de 3 milhões por ano. Mas desses processos em 40% se discute o pagamento de verbas rescisórias, grande maioria delas de empresas terceirizadas”, afirma o magistrado da Anamatra.
A lei 13.429, que em tese permitiria a terceirização da atividade-fim, sancionada no fim de março deste ano, não menciona esse termo e abre caminho para interpretação dúbia, o que permite à Justiça do Trabalho considerar a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que proíbe o fornecimento de mão de obra para a atividade principal.
Por outro lado, a lei da terceirização, consolidada na Reforma Trabalhista, torna mais clara a responsabilidade da empresa contratante quanto à segurança do trabalho. A lei fixa a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços.
Com colaboração de Sabrina Lorenzi