Na sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio, a terceirização de serviços administrativos acabou com final inusitado para os funcionários. Para evitar o pagamento das rescisões trabalhistas após o fim do contrato, a terceirizada transferiu trabalhadoras para um hospital onde ficavam o tempo todo no refeitório, sem atividade, segundo denúncia apresentada pelos empregados. Outra funcionária teve que manipular munição de arma em uma empresa de segurança, tarefa para a qual não estava preparada.
A empresa contratada pela Fiocruz perdeu o contrato por não honrar compromissos trabalhistas. A prática de deslocar funcionários de suas funções originais tornou-se uma artimanha comum de prestadoras de serviços para fugir de compromissos trabalhistas, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT).
A deterioração da renda do trabalho é uma das principais consequências das mudanças trabalhistas no Brasil, preveem especialistas em legislação consultados por esta reportagem. O procurador-geral da República materializa o temor de opositores às mudanças em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada no final de junho. A liberação da terceirização de todas as atividades torna-se explícita na Reforma Trabalhista, aprovada nesta terça-feira no Senado.
Rodrigo Janot afirma que a nova legislação abrirá caminho para empresas substituírem empregos diretos por prestadores de serviços que na média, pagam salários menores. A liberação da terceirização da atividade-fim não está clara na Lei da Terceirização, sancionada pelo presidente Michel Temer em março. A consolidação das regras foram incorporadas à Reforma Trabalhista.
Com base em dois estudos, Janot afirma que o “rebaixamento remuneratório” é uma das consequências inerentes à dinâmica da terceirização. Um terceiro estudo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que nas atividades onde a prática já é adotada com maior frequência, os ganhos podem chegar à metade do que recebem os celetistas, dependendo da profissão.
É o caso dos vendedores no comércio varejista, que têm remuneração 49% menor quando são terceirizados. Cozinheiros (18,4%), assistentes administrativos (17,8%), serventes de obras (16,8%), auxiliares de escritório (13,9%), motoristas de caminhão (12,2%), trabalhadores da limpeza pública (11,6%) e recepcionistas (11,5%) também recebem menos. Das quinze atividades que mais concentram terceirizados, apenas a de zeladores de edifício não apresentam ganhos menores, mostra o Ipea.
Por outro lado, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirma em estudo semelhante, que entre empregos de alta qualificação, que exigem mais estudo e especificação, ocorre o contrário. A áreas de pesquisa e desenvolvimento, bem como a de tecnologia da informação, pagam salários maiores aos terceirizados. No entanto, a mesma pesquisa aponta um salário médio menor de 17% de empregados terceirizados em comparação com rendimento dos empregados diretos.
Para especialistas em legislação trabalhista, o pagamento de salários menores reflete a frágil condição financeira da maioria das empresas terceirizadas. “Essas empresas se constituem da noite para o dia, muitas são pequenas e sem patrimônio. No momento da cotação da concorrência, essas prestadoras oferecem preços baixos para ganhar o contrato e acabam não cumprindo os direitos, como pagamento de horas extras, porque o valor não cobre todas as obrigações que têm de arcar junto ao empregado”, afirma o juiz do trabalho Luiz Colussi, diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Foi justamente o que ocorreu na Fiocruz ao terceirizar os serviços administrativos. “Como já estava com problemas de atrasos nos pagamentos e sendo multada pela Fiocruz, a Milênio queria ficar com o dinheiro do fundo que serve para cobrir despesas rescisórias”, relata o assessor da Presidência da Fiocruz, Marcus Giraldes.
O contrato terminou há cerca de dois anos mas ainda gera problemas para a instituição pública e para ex-empregados, que lutam na Justiça pelo pagamento de direitos. Segundo denúncia dos trabalhadores, o objetivo da terceirizada Milênio era fazer uso de assédio moral e constrangimento para forçar demissão voluntária, evitando assim o pagamento das verbas.
O caso foi acompanhado pelo MPT, que constatou o emprego de parte do pessoal na própria sede da empresa em desvio de função, em órgãos públicos e alocadas em empresas privadas, segundo o procurador Rodrigo Carelli.
A Milênio tem sede registrada junto à Receita Federal no município de Comendador Levy Gasparian, no interior do Estado do Rio. A linha telefônica do endereço em sites de lista telefônica é inexistente, segundo gravação da operadora telefônica. O advogado da empresa Franklin Estrella não retornou as ligações.
“Uma das críticas feitas por quem defende a Reforma é justamente o grande número de processos que chegam à Justiça do Trabalho. São de fato mais de 3 milhões por ano. Mas em 40% desses processos se discute o pagamento de verbas rescisórias, grande maioria delas de empresas terceirizadas”, afirma o magistrado da Anamatra.
A lei 13.429, que em tese permitiria a terceirização da atividade-fim, sancionada no fim de março deste ano, não menciona esse termo e abre caminho para interpretação dúbia, o que permite à Justiça do Trabalho considerar a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que proíbe o fornecimento de mão de obra para a atividade principal.
Por outro lado, a lei da terceirização, consolidada na Reforma Trabalhista, torna mais clara a responsabilidade da empresa contratante quanto à segurança do trabalho. A lei fixa a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços.
O eletricista Renato dos Santos Miranda realizava manutenção de rotina na rede elétrica de Duque de Caxias (RJ), quando um cabo de média tensão se soltou e o atingiu em cheio. Ele perdeu parte da perna direita e o braço esquerdo, e acredita que sobreviveu por um milagre à descarga elétrica de cerca de 13 mil volts.
Por pouco, Miranda não elevou estatísticas sobre acidentes de trabalho fatais que ocorrem com mais frequência entre terceirizados do setor no qual trabalha, segundo pesquisa da Fundação Comitê de Gestão Empresarial. O estudo conclui que 81% das mortes no trabalho no setor de energia entre 2003 e 2011 ocorreram entre trabalhadores de prestadoras de serviço.
*Com colaboração de Sabrina Lorenzi