Os mutirões carcerários foram retomados após as rebeliões em série nos presídios do Norte e atenuaram o problema da superlotação das cadeias brasileiras. Não fossem os mutirões, milhares de pessoas estariam amotinadas nas celas já superlotadas.

Autoridades e advogados procurados por esta reportagem relatam que as medidas têm ocorrido com frequência, com a soltura de presos que cometeram crimes leves.

Até o mês de abril, 1.471 detentos tiveram as prisões revogadas no Amazonas, após reanálise de processos durante o projeto “Choque de Justiça”, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois do massacre.

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O Ministério da Justiça também tem fomentado o aumento das Audiências de Custódia nas comarcas do interior em todos os estados. A medida inclui a realização de audiências de revisão para os presos provisórios; mutirões de defensoria pública; repasses de recursos via convênio para criação das Centrais Alternativas Penais e Centrais de Monitoramento Eletrônico, de forma a se evitar o ingresso no sistema pelo cometimento de crimes sem violência ou grave ameaça”.

Para evitar o acúmulo de presos provisórios nas cadeias, o governo do Amazonas informou que tem mantido parceria com o poder judiciário para que sejam intensificadas as análises dos processos, identificando os presos que já possuem tempo para progredir de regime, os que já cumpriram a pena ou os que estão aguardando pelo julgamento.

O problema é que as prisões em massa impedem um efeito melhor dessas medidas. “A superlotação continua e o (Complexo Penitenciário) Anísio Jobim é um dos mais caóticos. É um depósito de presos: um em cima do outro. Foram soltos esses 1.400, mas entram de 30 a 40 detentos todos os dias nas prisões, porque todo dia alguém é preso pela polícia”, avalia o presidente do Conselho de Direitos Humanos do Amazonas, Glen Wilde.

Luiz Silveira/Agência CNJ

Facções lucram com superlotação, diz CNJ

Além da superlotação, o CNJ cita o controle dos presídios por facções criminosas entre os dois maiores problemas do sistema prisional brasileiro. O fato está diretamente ligado à ausência do poder público na administração e fiscalização das cadeias e na falta de assistência aos presos e suas famílias. Nos massacres de janeiro, as chacinas envolveram principalmente integrantes das facções Primeiro Comando da Capital (PCC) e Família do Norte.

“Se houvesse prestação de serviço do Estado lá dentro (dos presídios), se houvesse assistência às famílias (dos presos), no mínimo o poder das facções seria menor”, diz Rafael Custódio, da Conectas. “A ausência do Estado nas periferias abre janelas que facilitam o recrutamento de jovens pelo crime. O mesmo acontece nas unidades prisionais, que, sem o Estado, se tornam terreno fértil para as organizações criminosas; os presos se tornam reféns das organizações criminosas”, acrescenta.

“As facções recebem valores por cada preso, têm lucro com a superlotação, a elas interessam cadeias ruins e superlotadas”, reitera o procurador Rogério Nascimento, coordenador do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele lembra o episódio em que, durante visita ao Compaj, em Manaus, a comitiva não teve acesso total ao presídio.

“Não é possível admitir que o poder público não tenha acesso para verificar como a privação de liberdade está sendo cumprida. O Estado tem que assumir o controle de quem está preso”, afirma.