Dizem que as coisas sempre podem piorar. 2017 podia ter sido pior. Poderíamos ter perdido uma área equivalente ao estado do Espírito Santo na Amazônia para saciar mineradoras. O trabalho escravo quase voltou a ser legitimado não fosse a intervenção da Justiça e de organizações internacionais. Nossos filhos estiveram fadados a se aposentar com uns 90 anos (numa estimativa exagerada mas não impossível) até o gatilho que elevaria automaticamente a idade mínima ser retirado da Reforma da Previdência. Também poderíamos ter daqui em diante o exército reprimindo manifestações cada vez que trabalhadores quisessem protestar contra reformas parecidas como esta.

No bolso, o Imposto de Renda poderia ter se tornado ainda maior, assim como o tributo sobre etanol. Os estados em crise poderiam ter fechado as portas e anunciado calotes à União para sempre.

Tudo isso teria acontecido não fossem sucessivos recuos (forçados) do presidente Michel Temer em 2017.

 

No Google, uma busca bem simples com a expressão “Temer recua 2017”, mostra 2,7 milhões de resultados que superam, por exemplo, o total elencado para “Moro condena 2017”, que apresentou 2,1 milhões de itens. Claro que estes resultados não refletem a quantidade de recuos de Temer, tampouco a de condenações de Moro, mas dão uma breve ideia de quanto se falou e repercutiu sobre esses temas durante o ano. Aqui citamos dez recuos.

                                                                                                                                                  Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Não que recuar seja ruim, pelo contrário. Ainda mais em questões que violam conquistas e direitos de cidadania ou no mínimo se voltam contra os interesses da população. Mas muitos foram sob pressão, alguns ordenados pela Justiça. Como a portaria publicada em outubro que apresentava retrocessos no combate à escravidão contemporânea, limitando ação de fiscais do trabalho, restringindo a divulgação da lista suja de empregadores e, principalmente, o conceito de escravo.

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou a revogação do texto. O governo resistiu à mudança, que agradava a bancada ruralista do Congresso. A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber concedeu liminar para suspender a portaria, no que o governo informou em nota que aceitaria as sugestões da Procuradoria-geral da União. Na última semana do ano, enfim, o governo publicou nova portaria sobre a qual afirmou que “respeita o conceito de escravidão contemporânea e contempla, de forma absolta, as situações já apontadas pela legislação brasileira”. Tudo voltou ao rigor normal dos últimos anos.

Em outro recuo forçado por liminar judicial, o governo Temer informou que vai aguardar decisão do STF para emitir um novo decreto sobre o indulto natalino que o presidente concedera na véspera, na última quinta-feira do ano. Após Dodge considerar que a medida coloca a Lava Jato em risco, a ministra Carmem Lúcia vetou trechos do indulto, apesar deste ser um instrumento previsto na legislação brasileira e adotado por outros países. A ministra do STF encontrou inconstitucionalidades na versão de Temer.

 

Também foram alvo de diversas decisões judiciais regras publicadas em agosto que permitiam a exploração mineral na Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), uma região entre Pará e Amapá que abriga partes de unidades de proteção ambiental, conservação e terras indígenas. Mas foi após muitos protestos de ambientalistas e artistas, no Brasil e no mundo, que o governo recuou de vez, um mês após seu primeiro decreto sobre a exploração na Renca (o segundo decreto explicava que a mineração seria permitida apenas fora das reservas).

Assim como na Renca, Temer recuou duas vezes na reforma da Previdência em 2017. Em março, o governo desistiu de igualar a idade mínima das mulheres a de homens, de restringir o Benefício de Prestação Continuada (BCP) e retirar condições diferenciadas para professore e policiais.E desistiu de extinguir o piso do salário mínimo como referência para pagamento de benefícios, entre outros pontos revistos. Ainda sem condições de aprovar a reforma diante da impopularidade das novas regras, o governo fez em novembro novos ajustes no texto, entre os quais a exclusão de regra que exigia contribuição individual por agricultor familiar.

Pela mesma resistência do Congresso, Temer desistiu de aumentar o Imposto de Renda (IR) para melhorar as contas do governo e cumprir metas fiscais cada vez mais longe de serem alcançadas. Uma ideia era elevar a alíquota para salários elevados. Desistiu ainda das exigências impostas a estados crise e municípios que precisam de socorro urgente para tentar sair do limbo. A medida provisória publicada em setembro permite aos entes federativos renegociar dívidas com a União.

Nos primeiros dias do ano, Temer se referiu ao massacre de cerca de 60 detentos em Manaus de “acidente”, mas voltou atrás e, ao falar do episódio novamente, classificou-o de pavorosa matança. Falou do também do problema da superlotação, defendeu a construção de novos presídios e, posteriormente, incentivou repasses para os estados das rebeliões.

Em maio, em menos de 24 horas, o governo Temer voltou atrás do decreto que autorizou Forças Armadas a reprimir manifestações na Esplanada dos Ministérios. O governo alegou protestos violentos para publicar o decreto mas em seguida decidiu anular a decisão. A democracia agradeceu.

Gratas também ficaram as crianças que não terão de se alfabetizadas mais cedo. Terão mais tempo para brincar, imaginar, reconhecer sua identidade em atividades lúdicas que seriam substituídas precocemente por conteúdo escolar. Em decorrência de uma medida pouco debatida. Após resistência de educadores, o governo Temer recuou.

2017 podia ter sido pior.