Pelo menos vinte mil pessoas estão no caminho das barragens de minério de ferro da Vale. A mancha de inundação que pode atingir essa quantidade de indivíduos em caso de acidente abrange os sete primeiros quilômetros no sentido da correnteza. Nestas regiões, onde avisos de alertas tocam (ou deveriam tocar), existem 18 municípios, dos quais 16 em Minas Gerais, um no Pará e outro em Mato Grosso do Sul.

O número de pessoas no caminho das barragens, estimado pela própria mineradora em um documento, deve recuar com a eliminação de estruturas iguais a de Brumadinho e Mariana, tecnicamente chamadas de alteamento a montante. Pressionada pelas autoridades e pela opinião pública, a mineradora anunciou que num período de um a três anos vai desmontar todas as barragens deste tipo, proibido por exemplo no Chile por ser considerado de maior risco por especialistas. São barragens mais baratas que demandam área menor para a contenção de rejeitos.

O rompimento da barragem 1 da mina de Córrego de Feijão ocorreu na hora do almoço, quando funcionários se encontravam no refeitório muito mal localizado, no curso da lama. Foram despejados cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama em cima dos trabalhadores, no restaurante e em outras unidades da área administrativa situada bem abaixo da barragem. O alarme não teria tocado na hora do desastre, segundo relatos de sobreviventes.

Trabalhadores da mina cobravam da Vale há mais de dois anos a transferência das instalações administrativas e do refeitório para um lugar mais seguro. Havia um projeto pronto para a mudança, revela o presidente da Federação dos Trabalhadores das Indústrias Extrativas de Minas Gerais, José Maria Soares.

“Não deu tempo. Agora, depois dessa tragédia, a Vale vai retirar tudo, desmontar tudo que causava risco nesse sentido. Mas por que não fizeram antes? Por que não decidiram acabar com essas barragens antes da tragédia? Isso é um reconhecimento de que essas estruturas (mais baratas) não podem existir. Custou muito caro”, afirma o representante dos trabalhadores.

A empresa engrossa a lista de consequências danosas ao meio ambiente e às populações que cercam atividades de mineração. A mineradora contabiliza uma média de 110 mil situações críticas de segurança por ano em áreas operacionais, incluindo barragens. Os episódios envolvem ações preventivas, invasão de propriedade, roubo, furto, vandalismo, entre outros.

Por exemplo, foram registrados 474 casos de conflitos de terra entre a empresa e comunidades locais, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais. Destes, quase 80% foram resolvidos em consenso entre as partes envolvidas, segundo a Vale. Em Moçambique, dura anos um conflito relacionado aos reassentamentos por conta do deslocamento de famílias para dar lugar a uma imensa mina de carvão.

Atestados suspeitos

A maior produtora de minério de ferro do mundo relata que persegue as diretrizes do Comitê Internacional de Grandes Barragens (ICOLD, na sigla em inglês) e do Associação de Mineração do Canadá (MAC, na sigla em inglês), referências em segurança. “Auditores externos e especialistas internacionais reconhecem a empresa como referência na gestão de riscos na indústria mundial”, diz a empresa em relatório anterior ao acidente.

Por ordem judicial, a polícia prendeu, nesta terça-feira, cinco responsáveis por atestar e monitorar a segurança na barragem que se rompeu em Brumadinho.

A Vale tem 150 barragens para produção de minério de ferro, das quais 71% de pequeno porte, com menos de 500 mil metros cúbicos de rejeitos, segundo relatório referente a 2017. Naquele ano foram realizadas auditorias externas em 107 estruturas. “Todas tiveram sua condição de estabilidade física e hidráulica atestadas, com a emissão das Declarações de Condição de Estabilidade (DCE) emitidas pelos auditores responsáveis”.

Na produção de fertilizantes, todas as 22 barragens da Vale passaram por auditoria e tiveram declarações de estabilidade emitidas em 2017, segundo a empresa.

Autuações e inadequações

Pelo menos dois casos de inadequação e sete autuações relativas a barragens foram registrados pela própria Vale. Duas estruturas hidráulicas inativas da mina Igarapé Bahia, no Pará, não tiveram as Declarações de Condição de Estabilidade (DCE) emitidas em 2017 devido à necessidade de adequação de equipamentos. A mina desativada produzia ouro.

A empresa informou que havia investimento previsto para 2018, para obras de regularização. Consultada sobre se os investimentos foram realizados, a empresa não retornou até o momento em que este texto foi publicado.

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) autuou a Vale sete vezes por ocorrências relativas a barragens de minério de ferro em 2017. As autuações são referentes ao atendimento de requisitos legais. A mineradora, porém, não reconhece cinco delas porque “carecem de fundamentos legais que correspondam à realidade”. Foram objeto de recurso do órgão regulador.

“As outras duas são referentes a erros meramente formais de preenchimento do sistema SIGBM (Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração) e, dessa forma, a empresa optou por realizar o pagamento da multa. Cabe ressaltar que nenhuma destas autuações está relacionada a questões de segurança hidráulica e física das estruturas”, afirma a mineradora em relatório.

23 interdições de barragens

Naquele ano, o órgão regulador emitiu 521 autos de infração e ofícios aos titulares de barragens, aponta o documento mais recente . O mais comum foi a intimação devido a não atualização do extrato de inspeção Regular – EIR, num total de cerca de 286 autos.

Vinte e três interdições de barragens foram realizadas ao longo do ano. Onze devido ao não envio da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), e outras 12 interdições por causa de declarações que concluíram a não estabilidade da barragem. Os Estados de Minas Gerais e Pará se destacam como os com maior incidência de autuações.

Procurada, a Agência Nacional de Mineração, que substituiu o DNPM, não respondeu aos questionamentos da Agência Nossa sobre dados mais recentes. Também não comentou sobre as autuações emitidas para Vale.

Risco elevado

Na lista de classificação das barragens por risco de rompimento e dano que pode causar à população, a agência contabiliza duas barragens com estrutura de alto risco. A listagem, publicada no último dia 23, revela também que dezenas de barragens podem causar danos de alto potencial em caso de rompimento, como a de Brumadinho.

As barragens de elevado risco e potencial de alto dano ficam no município de Rio Acima, em Minas Gerais.

Uma liminar concedida pela Justiça Federal de Minas Gerais em 2016 obrigava a mineradora Mundo Mineração e sua subsidiária australiana Mundo Minerals a desativar estas barragens de rejeitos de exploração de ouro, localizadas nos municípios mineiros. A decisão judicial respondeu uma solicitação da procuradoria federal que atua junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), segundo informações da Agência Brasil. A Mundo Mineração encerrou suas atividades em 2011 e abandonou as barragens.

(Texto atualizado às 17h51 em 30 de janeiro de 2019)