A proposta de extinção do órgão responsável por patentes no Brasil reduz arrecadação, ameaça acordos comerciais e o espaço da indústria brasileira, além de ferir a constituição federal. São as conclusões de especialistas em propriedade industrial, técnicos do setor e agentes do Judiciário, que reagiram contra a proposta de transferir a responsabilidade de propriedade intelectual para o Sistema S.
A proposta vai na contramão do padrão mundial, que tem na esfera pública a autoridade para emissão de patentes.
“O sistema de propriedade industrial, essencialmente estratégico para o desenvolvimento econômico e social de qualquer nação, se transformaria em um serviço privado, caso inédito no planeta. As autoridades nacionais de propriedade intelectual de todos os países com sistemas de PI minimamente desenvolvidos encontram-se sob controle administrativo e estratégico do Estado”, afirma a associação que reúne gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia, citando como exemplo bem-sucedido o sistema dos Estados Unidos, também governamental.
Já a entidade que reúne juízes federais afirma que a proposta coloca em risco a execução de deveres assumidos pelo Brasil em acordos internacionais relacionados à propriedade intelectual.
Outro problema, segundo eles, é que a proposta fere o artigo 5o da Constituição Federal, uma vez que a proteção dos ativos de propriedade industrial deve observar o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, paradigmas a serem considerados por agentes públicos, “cujos atos são dotados de presunção absoluta de imparcialidade e legalidade”.
A nota técnica do Ministério da Economia, entitulada “Proposta de Medida Provisória para extinção do INPI e transformação da ABDI em Agência Brasileira de Desenvolvimento e Propriedade Industrial (ABDPI)” tem como argumento o enxugamento do governo e o aumento da eficiência.
“A proposta busca enxugamento da máquina pública federal, com a criação de estrutura que permitirá maior eficiência na atuação/melhoria da capacidade operacional tanto do INPI como da ABDI, para cumprimento mais efetivo da missão de ambas as instituições, tendo em vista o caráter estratégico para o desenvolvimento tecnológico do País e a inserção competitiva do Brasil nas cadeias globais de valor.
O problema, exposto pela própria nota técnica, é que a extinção do INPI provocaria perda de receitas, da ordem de R$ 470 milhões anuais. As despesas do instituto são de apenas R$ 80,8 milhões, sem considerar a folha de pagamento com servidores públicos. E, mesmo sendo considerada, a folha de R$ 311 milhões não supera, junto com as demais despesas, a arrecadação do órgão. O INPI ganha mais do que gasta.
O próprio Ministério da Economia afirma, na nota técnica, que os funcionários do INPI devem ser realocados (porque, como servidores públicos, não podem ser demitidos). Portanto, não haveria economia, mas, sim, apenas perda de receitas.
A proposta não pode ser aprovada sem que a receita proporcionada pelo INPI seja compensada, outra dor de cabeça para o governo exposto na própria nota técnica.
“A medida proposta ainda acarretará diminuição de receita da União, pois visa a extinguir o INPI, autarquia federal cujas receitas integram o orçamento público, e a promover a assunção de suas atribuições pela ABDPI, serviço social autônomo, entidade cujo orçamento é privado (…) Nesse sentido, torna-se necessário observar o disposto no art. 114 da LDO-2019, Lei no 13.707, de 14 de agosto de 2018, que exige compensação para perda de arrecadação decorrente de medida legislativa”.
Além disso, o anúncio do governo vai contra as medidas positivas que acaba de tomar para melhorar sua capacidade e aumentar seu desempenho financeiro – que já é superavitário.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) começou em agosto a simplificar a emissão de patentes a partir de bases internacionais, tornando o processo bem mais ágil e rentável. Examinadores passaram a considerar processos realizados no exterior para realizar pesquisas, em vez de começar do zero procedimentos já avançados. Cerca de 80% dos pedidos já têm referências internacionais que podem ajudar na eficiência do INPI.
Outras medidas para melhorar o órgão também ajudaram a reduzir o tempo de emissão de patentes.
“Foi pela contratação de servidores e melhoria da infraestrutura que o INPI conseguiu, em apenas três anos, reduzir o tempo de resposta no exame de marcas de 2,5 anos para seis meses. Atingindo essa marca, o Brasil pôde aderir este ano ao Protocolo de Madri, tratado internacional que simplifica e reduz custos para o registro de marcas de empresas brasileiras em outros países”, afirma o Sindisep, sindicato que reúne inclusive funcionários do INPI.