Quando se olha indicadores de renda, emprego, desigualdade e mesmo o PIB, temos a impressão de que a equipe econômica do governo brasileiro fala de outro país. Não dá para falar em “plena reaceleração”, como declarou há pouco o ministro Paulo Guedes.
A fala de Guedes sobre “o Brasil estar começando a subir enquanto o mundo está caindo” não combina com o crescimento zero da renda do trabalho. O rendimento médio dos trabalhadores na última apuração do IBGE ficou estagnado. Exatamente no mesmo patamar em que estava há um ano.
Um olhar mais atencioso aos dados da Pesquisa Nacional Por Amostragem de Domicílios (Pnad) revela que a renda do trabalhador com carteira assinada recuou 0,4% em relação ao que era um ano antes. Quem trabalha por conta própria viu o rendimento encolher 0,8%. E isso foi antes de o coronavírus se tornar um problema mundial.
“O Brasil está em plena reaceleração, o mundo descendo e o Brasil começando a subir. Aí veio o coronavírus e isso agudiza a crise. Temos que manter a absoluta serenidade. A melhor resposta à crise são as reformas”.
Das quatro frases de Guedes nesta declaração, uma parece incontestável ( devemos manter a serenidade — muito bem colocado). As demais podemos confrontar com indicadores socioeconômicos, datas e históricos de reformas.
Se a melhor resposta à crise são novas reformas (tributária e administrativa que o governo quer fazer), por que a reforma trabalhista, realizada há mais de dois anos, não cumpriu até agora a promessa de gerar vagas e aumentar a renda? E a reforma da previdência, por que ainda não trouxe os investimentos prometidos?
Pelo contrário, o Brasil sumiu pela primeira vez bem do Índice Global de Confiança para Investimentos Estrangeiros — bem no ano em que realizou a reforma da previdência. Referência no mercado, o índice da da consultoria americana Kearney mede a perspectiva de aportes nos próximos três anos com base em entrevistas com 500 executivos das maiores multinacionais.
Agora vamos à ordem dos acontecimentos. As primeiras mortes de coronavírus na China, onde tudo começou, ocorreram em janeiro. Por aqui o vírus chegou no final de fevereiro. Mas a renda zero aconteceu antes disso, no trimestre apurado em novembro, dezembro e janeiro. E o PIB de 2019, também antes do coronavírus, foi de apenas 1,1% — taxa abaixo do esperado e menor que a de 2018.
A estagnação econômica chegou — e ficou — bem antes do coronavírus. O vírus não têm nada a ver com ela. E essa inércia nos leva a crer que as reformas, sobretudo a trabalhista, não foi capaz de melhorar a geração de emprego e renda como fora prometido. Há quem diga inclusive que as mudanças contribuíram para a piora no mercado de trabalho porque facilitou a precarização das vagas, com a substituição da carteira assinada por contratos mais flexíveis e sem direitos trabalhistas.
O economista Eduardo Moreira critica o que chama de “usar a crise para colocar a opinião pública de joelhos (…) e acelerar as reformas que destroem o serviço público, acabam com os direitos dos trabalhadores, liquidam as melhores empresas públicas e não fazem justiça tributária”.
Em outra declaração no Twitter, o autor de “O Que os Donos do Poder Não Querem que Você Saiba” afirma que “o coronavírus está sendo recebido como boia de salvação para os economistas que apoiaram as reformas trabalhista e da previdência e que erraram vergonhosamente suas previsões em relação ao crescimento do Brasil”.
Voltemos aos dados oficiais. De fato, os salários, em geral, estão menores. Isso explica por que a renda média não cresceu mesmo com aumento da população ocupada (2%). O número de vagas aumentou sobretudo entre empregados por conta própria (3,1%). A informalidade só não cresce mais que a desigualdade e a pobreza, essas sim na tal “plena reaceleração”.