Os médicos precisam torcer em dobro para não serem infectados por coronavírus: pela preservação da saúde e do salário. Não bastasse o risco de vida diante do elevado grau de contaminação por coronavírus, milhares deles possuem contratos de trabalho com remuneração condicionada à prestação de serviços no estado do Rio de Janeiro. Se ficam infectados, param de trabalhar e não recebem pagamento.
“Os profissionais de saúde estão sob um duplo risco: terem a infecção e ficarem sem renda. Mais de 40% dos médicos trabalham sob o regime de contratação Pessoa Jurídica, cooperativas e outras formas de vínculos que não preveem pagamento em caso de afastamento e doença, destaca a sanitarista Lígia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A Secretaria de Estado de Saúde informa que são até agora 422 casos de profissionais da rede afastados do trabalho por suspeita ou confirmação de coronavírus, mas não comentou sobre a situação dos médicos terceirizados que atuam no atendimento básico ou nas linhas de frente do combate à doença.
“Essa precarização do trabalho é um problema em um contexto de necessidade de profissionais experientes com máxima dedicação. Os plantões são uma consequência da precarização dos vínculos empregatícios e acrescem riscos de contaminação aos profissionais que atuam em diversos hospitais”, afirma a especialista.
A situação preocupa o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (Sinmed), que alerta para a insegurança a que boa parte da classe está exposta, considerando que 50% dos médicos de unidades estaduais são terceirizados.
“Estes profissionais estão em uma situação de extrema fragilidade, com risco de se contaminar, já que fazem mais plantões e trabalham mais para aumentar o orçamento. Se contraírem o vírus, ficarão desassistidos, já que trabalham sem nenhum vínculo empregatício”, confirmar o presidente do SinmedRJ, Alexrandre Telles.
O clima é de medo no ambiente de trabalho, segundo relato de médicos ouvidos pela Agência Nossa. Um profissional que prefere não se identificar conta que há cerca de 100 trabalhadores afastados em um único grande hospital da capital fluminense. A Agência Nossa não conseguiu confirmar a informação.
No final de março, a instituição apresentou outra denúncia contra o Estado e o Município na Justiça do Trabalho, para cobrar mais equipamentos de proteção para os trabalhadores nas unidades de saúde e foi determinado por liminar o fornecimento dos EPI sob pena de multa.
Em dezembro do ano passado, o Sinmed entrou com uma denúncia no Ministério Público do Trabalho, justamente para evitar que acontecesse no município o mesmo que ocorreu no estado fluminense, com a normalização da prática de terceirização dos médicos.
Hospitais federais
Nos hospitais federais, não há médicos terceirizados, mas os profissionais aposentados não são repostos e muitos trabalhadores da rede são idosos, ou seja, são pessoas da terceira idade, público com grande risco de contrair a doença.
Representantes da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP) e da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) enviaram uma carta ao Ministério da Saúde para falar sobre o risco de disseminação do vírus nos serviços básicos de saúde.
No documento, os especialistas reconhecem a importância do Manual de Manejo Clínico da COVID-19, elaborado pelo Ministério da Saúde, mas se mantêm preocupados com os riscos para profissionais.
“O problema é que o Manual se direciona a um mundo irreal. Unidades de saúde do SUS na rede básica podem não ter água, os profissionais não recebem salário e faltam os equipamentos de proteção individual”, destaca Lígia Bahia.
*Foto: Cremerj (divulgação)