Um dos mitos da quarentena foi a crença de que o isolamento social limpou as águas da Baía de Guanabara. Mas o fato é que trocadilhos como praia de “Icaraíbe” (comparação da orla de Icaraí com o mar cristalino do Caribe) não começaram com a pandemia: eles já existiam antes do coronavírus. E tem duas explicações. Primeiro, em algumas épocas do ano, correntes marítimas do sul fazem uma espécie de limpeza das águas. Segundo, as praias da boca da Baía estão realmente mais limpas porque a taxa de tratamento de esgoto quase triplicou na região.
Faz alguns anos que Niterói, localizada na faixa litorânea da região metropolitana do Rio, está entre as primeiras no ranking de saneamento das 100 maiores cidades do Brasil. Apenas 35% do esgoto era tratado quando a iniciativa privada assumiu a operação, levando cerca de 10 anos para elevar o percentual a cerca de 94%. É o primeiro município do estado do Rio no ranking, seguida de Petrópolis e Campos dos Goytacazes. As três têm concessões de saneamento operadas pela iniciativa privada.
O marco do saneamento, aprovado com ampla maioria no Senado, incentiva modelos de sistemas de saneamento com participação do capital privado. No caso de Niterói, o sistema todo, incluindo a captação, tem participação pública e privada, com a retirada da água dos mananciais pela companhia estadual Cedae e o tratamento de água e esgoto realizado pela empresa privada Águas de Niterói.
O projeto de lei recebeu 65 votos favoráveis e 13 contrários. Pesaram as 100 milhões de pessoas sem acesso a tratamento de esgoto no Brasil. O fato deu força total ao PL em plena pandemia de coronavírus. As regiões mais deficitárias são o Norte e o Nordeste.
Estudo do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto mostra que os investimentos privados nos últimos três anos apurados pelo estudo equivaleram a 20% do total em saneamento e abrangeram cerca de 14% da população. As tarifas ficaram cerca de 11% acima da média nacional. Não passam de 39 centavos de diferença por metro cúbico.
“Os mitos que ainda afetam a iniciativa privada no saneamento estão caindo por terra…Conforme podemos observar, os números e performances da iniciativa privada mostram que esse segmento possui perfeitas condições para cooperar com o Estado brasileiro na solução do saneamento. As tarifas praticadas pelo segmento privado são compatíveis com as praticadas por operadores públicos. São tarifas realistas e reguladas, estabelecidas em bases técnicas, que garantem a sustentabilidade dos contratos, a qualidade dos serviços prestados, a continuidade dos investimentos e o acesso da população”, afirmam os representantes das empresas no estudo.
O documento mostra ainda que 322 municípios com cerca de 31 milhões de pessoas são atendidos por sistemas com a presença de capital privado, em 266 contratos. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) representam um quarto deste total.
O Brasil se comprometeu com a universalização do saneamento até 2030, no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU. E também estabeleceu metas internas de investimento, no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) para 2033. O problema é que os atuais contratos dos municípios com as concessionárias de saneamento, na sua maioria, não estabelecem metas.
De acordo com o Plansab, o investimento para alcançar a universalização até 2033 deveria estar em torno de R$ 24 bilhões ao ano, mas realizou até agora metade do necessário – R$ 12 bilhões.
O marco do saneamento estabelece que haja metas de universalização (ou quase) para as empresas do setor, o que pode tornar necessária a entrada de capital privado nas concessões. Porque as companhias terão de provar capacidade de investimento, sem endividamento junto ao estado, segundo a legislação aprovada.
Além disso, o marco estabelece a ANA como a reguladora destes modelos, dando mais confiança aos investidores.
Entre argumentos da minoria que votou contra o PL, a tarifa maior e a defesa do sistema público para realizar os investimentos. A tarifa, pelo histórico até aqui, pode ser contida se for bem regulada.
Mas, de fato, não se pode generalizar o problema dos investimentos estatais no setor. Sabesp e Sanepar exibem excelentes resultados nas cidades de Santos, Franca e Maringá, as três no topo do ranking do Instituto Trata Brasil. O problema é que a taxa de esgotamento sanitário do Brasil — de apenas 46% — vai requerer um volume de investimentos que as empresas públicas, sozinhas, dificilmente serão capazes de aportar.
O modelo misto, de público e privado, talvez seja a solução, como defenderam os líderes da proposta.