Já no primeiro mês do ano, a decisão da Ford de encerrar a fabricação de carros no Brasil pegou de surpresa quem fechou 2020 esperando uma recuperação da economia. Na mesma semana, o Banco do Brasil anunciou um plano de reestruturação com fechamento de agências físicas e incentivo a programas de demissão voluntária, acendendo um alerta sobre a tendência de crescimento do desemprego no país.
Em um contexto de reorganização produtiva mundial, empresas priorizam investir em tecnologias e produtos de menor impacto ambiental – como é o caso dos carros elétricos, tendência do setor automotivo. Na contramão dessa tendência está a economia brasileira. Sem qualquer esboço de política industrial, e com cada vez menos incentivos à ciência e tecnologia, o Brasil torna-se cada vez menos atrativo:
“Estamos completamente sem plano industrial, como olhos voltados para o agronegócio que não emprega quase ninguém e quando emprega é de baixíssima qualidade. Além disso, com o fim do Ministério do Trabalho, não temos política de qualificação de mão de obra. Com o sucateamento da infraestrutura e do ensino, não temos atratividade nenhuma. O Brasil tende a ser uma mera colônia extrativa, com população extremamente empobrecida trabalhando no setor de serviços”, comenta o pesquisador Rodrigo Carelli, professor da UFRJ e coordenador do Trab21, grupo de estudos sobre as relações de trabalho no século XXI.
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A decisão da Ford chocou, mas as demissões no setor não são novidade. De acordo com o DIEESE, na década de 1980, a montadora possuía 21.800 funcionários no Brasil e uma produção nacional de 165.500 unidades/ano. Em 1990, o número de trabalhadores era 17.578 e, 9 anos depois, no final da década, caiu para 9.153. Hoje, a Ford possui um quadro de 6.171 funcionários.
Com o fechamento das fábricas, a empresa desligará 5 mil trabalhadores diretos, o que pode significar perda potencial de 118.864 mil postos de trabalho, segundo análise do DIEESE. Em Camaçari (BA), cidade que aloca a maior parte de funcionários da montadora, a prefeitura considerou o prejuízo “imponderável, pois tudo funciona como uma grande cadeia que também atinge o setor de serviços”. A nível estadual, o complexo Ford movimentava cerca de R$5 bilhões da economia local, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI) da Bahia.
Quanto aos motivos que levaram ao encerramento da produção da montadora, Lyle Watters, presidente da Ford América do Sul, declarou que faz parte de uma reestruturação na região que foi impulsionada pelo “ambiente econômico desfavorável” e agravado pela pandemia. Em resposta, o presidente Bolsonaro disse que a justificativa era mentirosa, e que o verdadeiro objetivo da empresa seria conseguir mais subsídios para continuar no Brasil.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, rebateu: “Nós não queremos incentivos, nós queremos competividade”. A entidade havia decidido não comentar sobre o comunicado da Ford, mas declarou que a decisão vai ao encontro das análises da Anfavea sobre o custo da produção industrial no país, o chamado “Custo Brasil”.
A análise do economista e professor da UnB David Decacche vai na direção oposta: o principal fator motivador da decisão da Ford é a deterioração da demanda interna, consequência dos anos de austeridade fiscal. Para ele, a política do Teto de Gastos (2016), a Reforma Trabalhista (2017) e a Reforma da Previdência (2019), contribuíram para comprometer o poder de compra interno, o que fez diminuir a demanda de bens de consumo.
“Esse projeto neoliberal tem uma face espoliativa e agressiva. Não tem nenhuma pretensão de crescimento, desenvolvimento e sofisticação de estrutura produtiva, geração de emprego, nada disso”, disse o economista.