A agroecologia é uma forma de agricultura totalmente sustentável com base nos princípios ecológicos e engloba a produção, distribuição e comercialização de alimentos. Esse modelo é focado na agricultura familiar e nas técnicas de povos tradicionais.

Os alimentos produzidos com base na agroecologia são livres de agrotóxicos e totalmente orgânicos. Sua produção ajuda econômica e socialmente os pequenos agricultores. Tem sido uma alternativa para driblar a fome crescente durante a pandemia.

Segundo dados de uma pesquisa realizada pela Rede PENSSAN, mais de 55% de brasileiros foram atingidos pela fome nos últimos três meses de 2020. Esse número corresponde a 116,8 milhões de pessoas convivendo com a insegurança alimentar, dentre os quais 9% viveram com insegurança alimentar grave – isto é, 19 milhões de brasileiros passaram fome.

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Algumas organizações não governamentais têm programas para a assistência de agricultores familiares, que ajudam na produção e comercialização dos alimentos agroecológicos. Mostramos seguir alguns desses apoiadores da agroecologia:

FASE

A FASE é uma organização não governamental sem fins lucrativos fundada em 1961, que atua em seis estados brasileiros. A principal missão da organização é o trabalho de organização e desenvolvimento local, comunitário e associativo.

A organização trabalha pela soberania alimentar e tem programas para a assessoria ao serviço agroecológico comunitário. Desde o início da pandemia, as unidades FASE ajudaram a escoar a produção de alimentos de agricultores pequenos e familiares, auxiliando quem precisa vender a produção e quem precisa se alimentar.

A assessoria da FASE é técnica e gratuita para famílias e coletivos – formais e informais -, para a produção, para a organização social e para a comercialização.
Quando há dificuldades relacionadas aos direitos dos agricultores, a FASE também se habilita a auxiliar. “Muitos agricultores assessorados têm consciência política de sua situação e conseguem denunciar sua vulnerabilidade, o que estão sofrendo”, conta Aparecida Moura, representante da FASE no estado do Mato Grosso.

“Em muitos momentos nós assessoramos grupos para fazerem denúncias relacionadas a direitos humanos. Neste atual governo, está bem difícil produzir resultados por conta dos retrocessos nas políticas públicas”.

O auxílio nas denúncias se estendem também para as questões ambientais.

“Desde o ano passado, muitos agricultores estão tendo dificuldade de produzir alimentos por conta da seca. O pantanal e a região do cerrado estão passando por um momento de crise hídrica por conta do desmatamento e queimadas”, afirma Aparecida. “A FASE tem trabalhado com ações emergenciais para dar um suporte para que eles possam permanecer no campo.

Com a ajuda da FASE, os agricultores denunciam ações como a pulverização aérea de agrotóxicos, poluição das águas, desmatamento de florestas e outros malefícios ambientais.

Para o escoamento dos produtos, as organizações assessoradas se articulam para o transporte coletivo, para a comercialização em redes solidárias.

Ibirapitanga

Fundado em 2017 pelo cineasta Walter Salles, o Instituto Ibirapitanga atua principalmente a partir de dois programas: sistemas alimentares e equidade racial. O programa de sistemas alimentares discute a questão da alimentação de forma integrada, construindo a ideia de um sistema alimentar saudável, justo e sustentável. “É entender que a forma como a gente vem produzindo, distribuindo e consumindo alimentos tem um impacto enorme na saúde das pessoas, nas relações sociais e no meio ambiente”, afirma Iara Rolnik, diretora de programas do Instituto Ibirapitanga.

“Não adianta a gente conversar sobre uma parte do problema e não conversar sobre o problema como um todo. É discutindo a questão da saúde, dos alimentos ultraprocessados e seu impacto na saúde; da agroecologia, da produção de alimentos, de consumo; a biodiversidade, o clima – enfim, todas as faces desse problema – que a gente faz essas conexões entre esses vários campos, construindo na sociedade brasileira o fortalecimento da agenda de sistemas alimentares em todas as suas formas”.

O Ibirapitanga trabalha com três linhas prioritárias: restringir o uso e consumo de agrotóxicos, reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados e favorecer ou ampliar o consumo de alimentos de base agroecológica. Para a seleção de iniciativas a serem apoiadas, o Instituto mantém aberto um canal para recebimento de propostas, que são avaliadas internamente. No entanto, segundo Rolnik, o contato direto com as pessoas é o principal meio de seleção.

“É o diálogo com as lideranças, é a conversa com as principais organizações brasileiras voltadas a essa questão, que são muitas e muito fortes. É assim que a gente vai estabelecendo relações e vai identificando projetos e iniciativas que corroboram com essas estratégias.”

Entre os projetos e iniciativas que o Instituto apoia, a pesquisa realizada e divulgada pela Rede PENSSAN foi uma delas. O resultado desse estudo teve grande repercussão no debate público.

“O principal impacto da pesquisa foi mostrar a dimensão da fome durante o período da pandemia, e sobretudo a continuidade desse cenário a partir do momento em que as pessoas, ao contrário do que deveria acontecer, passaram a receber menos apoio do governo para se sustentar nesse período”, conta Rolnik.

Para o Instituto, a agroecologia se mostra importante porque apresenta a formulação de um novo paradigma capaz de transformar o sistema alimentar.

“A agroecologia é, sim, uma forma de produção, distribuição e comercialização de alimentos, mas procura buscar uma relação mais saudável, mais justa e mais sustentável com a natureza, sobretudo a partir da ideia de justiça social”, justifica Rolnik. “E pro Ibirapitanga interessa muito discutir a transição agroecológica como vetor de transformação do atual sistema, e o impacto que isso pode ter nessas várias dimensões.”

A questão agroecológica, para o Instituto, deveria ser mais debatida. “Ela tem sido discutida, não só no Brasil mas globalmente, como essa dimensão articuladora de diferentes faces do problema alimentar.

Segundo Rolnik, o alimento agroecológico não seria capaz de substituir os alimentos ultraprocessados de uma vez. A diminuição de seu consumo, no entanto, é possível. “A questão da diminuição do consumo de ultraprocessados é baseada na ideia que surgiu a partir de vários estudos que culminaram na nova classificação – um novo jeito de olhar para a classificação dos alimentos, para as dietas, para a orientação nutricional das pessoas -, que mostra que quanto mais processado o alimento, menor o seu valor nutritivo real. E não só isso: quanto mais processado, mais danos esse produto faz à saúde.”

O Instituto Ibirapitanga vem dando voz a esses estudos através do apoio ao NUPENS, um núcleo de pesquisa que estuda o impacto dos alimentos ultraprocessados na saúde da população.

REDE

A REDE é uma organização não governamental criada em 1986 que tem como missão o fortalecimento da agroecologia e agricultura familiar e urbana para a construção de uma sociedade mais sustentável. A organização trabalha em dois territórios: na região metropolitana de Belo Horizonte, que envolve mais o trabalho com a agricultura urbana e familiar no meio rural na zona periférica da grande BH, e no leste de Minas, na região de Simonésia, Manhuaçu, Caratinga, quase na divisa com Espírito Santo. A REDE trabalha assessorando agricultores em coletivos, grupos e famílias. Não dão assistência individual.

“É uma construção coletiva, não é aquela coisa de cima pra baixo. A gente, enquanto técnico da REDE, procura construir um olhar coletivo, buscando trazer o conhecimento que a pessoa já tem e, a partir disso, criar soluções, novas propostas, ajustando o que é possível e que case com a cultura das pessoas. Então tem muito de empoderamento, de construir juntos e envolver todo mundo no processo. A gente tenta trabalhar dessa forma – com o papel transformador que a agroecologia tem que ter na vida da pessoa”.

Os agricultores que a REDE atende, principalmente na região leste de Minas, são pessoas que querem mudar seu estilo de trabalho. Geralmente são agricultores que trabalham em monoculturas, principalmente de café. Entendendo que esse tipo de produção não é o ideal, já que o agricultor fica dependente do mercado externo – commodities, preço em dólar – e não tem qualquer governabilidade sobre sua plantação, eles procuram a ajuda da REDE.

“Atendemos aqueles agricultores que estão buscando uma diversidade, sair da monocultura; que já tiveram problemas com agrotóxicos, já viram que fazem mal à saúde; que buscam uma produção mais alternativa, mais orgânica e agroecológica”, conta Heder. “A REDE atende nisso, damos assistência tanto na produção quanto em mercados alternativos, construção social de mercado”.

Esses agricultores, segundo Heder, estão numa fase de transição agroecológica.

“Ninguém está cem por cento agroecológico, isso é uma utopia ainda. Mas já estamos bem avançados – já não usam mais agrotóxicos, estabeleceram equilíbrio no seu sistema de produção e já conseguiram mercados mais adequados para comercializar seus produtos. Tudo isso é um processo”.

Expandir o acesso ao alimento agroecológico nas grandes cidades está sempre nos planos da REDE. Através de ações como banquetes públicos feitos com produção agroecológica, fortalecimento das políticas públicas junto às prefeituras e abertura e apoio a grandes feiras, a organização trabalha para que o debate seja aprofundado na área urbana.

“Existe um mito de que não é possível produzir alimento agroecológico em grande quantidade, que a agroecologia não dá conta de alimentar o mundo. Isso é uma mentira… A agroecologia dá conta de alimentar as grandes cidades”, afirma Heder.