A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) começou justamente no dia das bruxas, com previsões sombrias para o futuro da humanidade. Relatório citado pela ONU na abertura do evento conclui que os últimos sete anos foram provavelmente os mais quentes já registrados.
“Chega de tratar a natureza como lixo. Basta de queimar, perfurar e minar cada vez em maior profundidade. Estamos cavando nossa própria cova”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Líderes de boa parte do mundo se encontram para enfrentar a crise climática e finalizar as regras que colocam em prática o Acordo de Paris, último grande compromisso internacional firmado para reduzir o aquecimento global.
O Brasil tem capacidade de ser um protagonista mundial na transição para a economia de baixo carbono, mas está com sua credibilidade afetada pelas políticas ambientais do governo Bolsonaro. O presidente, inclusive, não compareceu à abertura, e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, ainda será enviado ao evento.
Em vídeo gravado e apresentado na conferência, o presidente Jair Bolsonaro afirma que “no combate à mudança do clima, sempre fomos parte da solução, não do problema”. O Brasil foi classificado pela Carbon Brief, utilizando dados do Observatório do Clima, como o 4º no mundo em emissão de gases poluentes desde 1850.
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O ministro do Meio Ambiente apresentou de Brasília, nesta manhã, a meta climática de reduzir em 50% a emissão de gases poluentes até 2030 e neutralizar a emissão de carbono até 2050. Anteriormente, o país tinha a meta de reduzir, até 2030, 43% das emissões nacionais. Como o anúncio não apontou qual a base para o corte, gerou dúvidas sobre o alcance e eficácia da nova meta.
“O que os representantes brasileiros precisam fazer na COP26 é falar a verdade e rejeitar tudo aquilo que foi feito desde que o governo Bolsonaro começou, que é o desmonte de todo o aparato de fiscalização e a quebra das bases da legislação de proteção ao meio ambiente”, afirmou à Agência Nossa o diretor-executivo do Instituto Escolhas, Sergio Leitão, antes do anúncio da meta e da abertura da COP26.
O desmatamento da Floresta Amazônica preocupa. Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a maior floresta tropical do planeta perdeu no mês passado uma área de 1.224 km², pior marca para setembro em 10 anos.
“O Brasil deveria diminuir as emissões e preservar as florestas. Ponto final. Eu entendo que se você quiser uma participação efetiva na questão ambiental global você tem que em primeiro lugar preservar as florestas e diminuir as emissões de CO2. A postura brasileira poderia ser criar e assinar um documento de preservação ambiental, diminuição das queimadas. Até temos leis rígidas, mas elas são só teoria”, ressaltou o geógrafo e mestre em Mudanças Paleoclimáticas, Leonardo Guarniere, às vésperas do evento.
O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas, comprovou o que muitos já imaginavam. As mudanças já estão acontecendo, e cada vez ocorrem de maneira mais intensa e mais rápida. O estudo prevê que, considerando todos os cenários de emissões, a temperatura global da superfície terrestre continuará aumentando até pelo menos meados deste século.
O estudo, intitulado Climate Change 2021: the Physical Science Basis (Mudança Climática 2021: a Base das Ciências Físicas), destacou a influência humana no aquecimento do planeta e também apontou que até o fim do século 21 poderá ocorrer um aquecimento global acima de 1,5 ° C e 2 ° C, a menos que haja reduções profundas nas emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa nas próximas décadas.
“[O documento] é um código vermelho para a humanidade. Deve soar como uma sentença de morte para os combustíveis fósseis, antes que destruam o planeta”, disse o secretário-geral das Nações Unidas.
O chefe da ONU pede ação imediata para cortes profundos das emissões dos poluentes, já que sem isso, não será possível limitar o aquecimento da temperatura global a 1.5 °C. O secretário-geral lembra também que o aquecimento global está afetando todas as regiões do planeta Terra, sendo que muitas mudanças são irreversíveis, já que as concentrações de gases de efeito estufa atingiram níveis recorde.
Potencial para protagonismo
E o Brasil pode exercer um papel essencial nesse processo. A preservação da Amazônia, através do combate ao desmatamento, é de extrema importância no cenário que o mundo enfrenta, afirma Guarniere.
“O desmatamento é crucial para que haja cada vez mais uma situação nas mudanças climáticas. No que se refere ao aquecimento global, o papel fundamental da floresta amazônica é absorver CO2, que é um gás poluente. Nós liberamos o dióxido de carbono (CO2) e o gás carbônico (CO), os chamados gases de efeito estufa, que são absorvidos pela biomassa florestal. Uma vez que eu desmato, não sei mais quem vai absorver esses gases, e além de reduzir drasticamente o regime hídrico, no caso a circulação de água, que causa a diminuição das chuvas, eu vou ter menor absorção de CO2 por parte da floresta”, explica.
O diretor-executivo do Instituto Escolhas, mesmo enxergando o desmatamento com apreensão pela relação com as mudanças no clima, acredita em uma saída positiva, onde será possível zerar o desmatamento sem impactar a economia.
“Zerar o desmatamento significa mais comida na mesa, significa menos financiamento para quem não precisa, portanto sobra dinheiro para a educação e para a saúde. Isso significa que o país vai produzir mais e melhor”, conclui Sergio Leitão. “É preciso parar de dizer que o problema é a falta de apoio. Se a gente quisesse a gente não seria rico na hora de desmatar e pobre na hora de proteger e de conservar”, completou.
Promessas duvidosas
Na Cúpula do Clima, em abril deste ano, Bolsonaro prometeu duplicar os recursos destinados à fiscalização, no momento em que o governo diminui verbas atribuídas ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deste 2021, o governo destinou apenas R$ 1,72 bilhão ao MMA, reduzindo em 27,4% os recursos destinados à fiscalização ambiental e ao combate de incêndios florestais, sendo essa a menor verba dos últimos 20 anos.
Além do montante designado ao MMA, a quantia ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também foi cortada este ano. A redução para o Instituto Chico Mendes (ICMBio) foi ainda mais extrema, cerca de 12%. Ambos os órgãos são responsáveis pela preservação ambiental no Brasil.
Diante da conferência sobre o clima mais importante desde o Acordo de Paris, o empresariado brasileiro se une para mostrar ao mundo que os deslizes ambientais do atual governo não representam todo um país. Várias propostas já foram entregues aos representantes do Brasil na reunião, incluindo documentos da Confederação Nacional da Indústria, do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Setor privado mostra voz ativa
Entre as principais reivindicações estão a regulamentação dos mercados de carbono, através da conclusão do Manual de Regras para aprovação do Artigo 6º do Acordo de Paris, a viabilização de financiamentos climáticos, a adaptação à mudança climática e a preservação dos ecossistemas.
“O CEBDS, ao lado do setor privado, acredita que, independente do sucesso ou do fracasso desta COP, o desenvolvimento de um país está diretamente relacionado a um desenvolvimento de baixo carbono, já que a corrida do mundo inteiro é para uma economia de baixo carbono. Então as nossas empresas que estão indo lá se juntaram (…) e pela primeira vez eu vi alguma coisa desse tipo acontecer no Brasil, dessa vocalização do setor privado, de grandes empresas, de todos os setores falarem ‘olha a gente precisa fazer isso andar. Por quê? Porque é de nosso interesse, é do Brasil. Nós temos o maior potencial para estar ofertando créditos de carbono’”, diz a presidente do CEBDS, Marina Grossi.
O especialista Hugo Bethlem acredita que um dos maiores desafios será a mobilização de financiamento e fomento da ciência na busca de matrizesmatriz energéticas mais sustentáveis no processo de transição para uma economia de baixo carbono.
“O Brasil tem um papel chave no cenário internacional, temos a Amazônia e somos responsáveis globais por essa preservação. Assumimos os compromissos do acordo de Paris em 2015, sendo necessário que haja cooperação entre Governo, empresas e sociedade civil para que sejam desenhadas e implementadas com eficácia políticas que possam avançar essa transição para uma economia com mais baixo carbono ainda”, explica Bethlem, da Bravo GRC, empresa de consultoria em GRC (governança, riscos e compliance) e ESG (ambiental, social e governança).
O setor privado brasileiro está representado por mais de 100 empresas durante a COP26. Além das que participarão diretamente, o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) levará a Glasgow, sede da reunião, o documento “Empresários pelo Clima” com assinaturas dos empresários.
A posição das companhias listadas na organização não governamental, entre as maiores do Brasil – tanto de capital nacional, como multinacionais -, deixa claro o comprometimento das empresas com o cumprimento do artigo 6 do Acordo de Paris e com o esforço necessário para atingir a meta de limitar o aquecimento global em 2º C, até o fim do século, com vistas a alcançar 1,5º C.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) entregou, no dia 15 de outubro, a representantes do governo propostas para o Brasil levar à Conferência. O documento traz propostas para negociações em três frentes: finalização do Livro de Regras, com foco no Artigo 6, que estabelecerá o mercado global de carbono; mobilização de financiamento climático e transferência de tecnologia; e adaptação à mudança climática.
Já a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento composto por mais de 300 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia, recomenda que o governo eleve o compromisso de corte nas emissões dos gases que causam o aquecimento global. A ampliação das metas nacionais para 2025, 2030 e 2050 é um dos cinco grandes temas com sugestões enviadas aos negociadores brasileiros que participarão da Conferência do Clima de Glasgow (COP 26).
“É um momento muito importante para países como o Brasil, porque é uma indicação de que países biodiversos, países com esse potencial de bioeconomia tem uma grande responsabilidade e uma grande oportunidade. Agora, nada disso vai se configurar se a gente continuar com os índices alarmantes e absolutamente inaceitáveis de desmatamento que a gente tem no País. A única maneira que a gente tem de participar dessa oportunidade, de criar uma economia próspera que respeita uma base social e fica dentro de um limite planetário, é adaptando isso a um país que resolveu seu problema do desmatamento”, manifestou o sócio-Fundador e diretor de Sustentabilidade da ZCO2/BLOCK e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Marcelo Furtado, no último webinário da Coalizão.
*Com edição de Sabrina Lorenzi