Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei 2.633/2020, conhecido como PL da Grilagem, deverá ampliar a concentração de terras no Brasil, e ainda mais se somado a outros dois projetos de lei. Um que passa a exigir comprovação de posse para demarcação de terras indígenas e um terceiro que altera o marco temporal, dando margem para que posseiros mais recentes tenham chance de regularizar a posse de terra.
O PL da Grilagem regulamenta a dispensa de vistoria presencial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e amplia o risco de que sejam tituladas terras griladas. Estes projetos, juntos, estão entre as múltiplas estratégias governamentais que facilitam o desmonte ambiental e a desestruturação da reforma agrária, segundo a coordenadora de Programas e Projetos de Agricultura da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Joana Simioni, e a assessora da FASE, Julianna Malerba.
“O que preocupa quando a gente pensa no resultado desse PL da Grilagem é exatamente a relação intrínseca entre o processo da concentração de terras e o processo de crise socioambiental. A intensificação do uso predatório da terra que esse PL vai promover vai facilitar a ampliação dos processos de desmatamentos e queimadas nessas áreas públicas não destinadas”, explica a coordenadora na Fundação Heinrich Böll no Brasil e mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS), Joana Simioni.
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Para a assessora da FASE, doutoranda em planejamento urbano e regional no IPPUR/UFRJ e membro da rede brasileira de justiça ambiental, Julianna Malerba, o que governo está fazendo é tentar desestruturar as políticas de reforma agrária e entregar esses títulos com objetivo de que as terras fiquem disponíveis pro mercado, sendo incorporadas ao mercado de terra.
“O PL muda a lei de maneira a garantir que ocupações enormes sejam regularizadas, que geralmente são áreas de grilagem, ou seja, ocupações fraudulentas que não têm o fim de garantir a produção familiar. Então, na verdade, vai se legalizar a grilagem de terra, tirar essa terra da mão do Estado, inviabilizando a possibilidade de destinação dessa terra da maneira como a Constituição prevê, então regularizando posses que são na verdade terras griladas”, relata Malerba.
Doutora em Geografia pela PUC-Rio, Joana lembra que em terras indígenas a devastação da floresta foi de 2% em 40 anos, enquanto na totalidade da Amazônia Legal, esse percentual dispara para 20%.
Dossiê alerta
“Concentração de terra significa mais terra na mão de poucas pessoas. E quais são os usos? É a terra para pecuária extensiva, pra monocultura, pro uso altíssimo de agrotóxico, para um uso que desmata de forma desenfreada”, completa, referindo-se a informações da 3ª edição do webdossiê “Flexibilização da Legislação Socioambiental Brasileira”, lançado recentemente pela Fundação Heinrich Böll e pela FASE.
Vale lembrar que hoje a concentração fundiária no Brasil é altíssima: dados do Censo Agropecuário de 2017 informam que 1% dos estabelecimentos rurais existentes no país concentram 47,5% das terras agrícolas. Além disso, estudo do Serviço Florestal Brasileiro estima que pelo menos 64,5 milhões de hectares de terras públicas, pertencentes aos estados ou à União, ainda não foram atribuídas.
Com contribuições de 18 especialistas, o dossiê adverte que a paralisação da reforma agrária, o ataque aos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais, e a legalização da grilagem estão agravando a crise ambiental no país e promovendo o avanço das fronteiras agrícolas sob terras públicas, que deveriam ser destinadas à garantia de direitos e proteção ambiental.
O PL 490/2007, que passa a exigir comprovação de posse para demarcação de terras indígenas, tramita no Congresso desde 2007 e é apoiado por ruralistas. Este projeto de lei visa alterar a Lei n° 6.001 de 1973, que trata do Estatuto do Índio, com o objetivo de criar um “marco temporal”, considerando apenas como terras indígenas os lugares ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi decretada. Caso aprovado, os novos pedidos de demarcação que não apresentarem a comprovação de posse serão negados, e o processo caberá apenas ao Congresso. Além disso, os povos tradicionais perderiam o uso exclusivo de suas terras e as reservas indígenas ficariam proibidas de ser ampliadas.
Também está em análise o PL 510/2021, de autoria do senador Irajá (PSD-TO), que modifica o marco temporal para a comprovação da ocupação, que deverá ser feita pelo interessado ao demonstrar “o exercício de ocupação e de exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 25 de maio de 2012”. Atualmente, para regularizar a terra, o ocupante tem de comprovar que está na área (com até 2,5 mil hectares) desde antes de 22 de julho de 2008.
Além de ambientalistas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) também se posicionou contra o Projeto de Lei 2.633/2020. Para a CONTAG, o projeto representa um grande retrocesso e pode gerar o aumento dos conflitos agrários, sobreposição de área dos agricultores e agricultoras e a possível regularização da grilagem e do desmatamento nas terras da União. “Esse projeto […] vem sendo denunciado pela CONTAG há tempos, pois não tem o objetivo de beneficiar a agricultura familiar, como vem propagando a base aliada do governo federal”, diz nota da diretoria da confederação.
Cortes na fiscalização
Porém, mesmo com dados que preocupam cientistas, a política de preservação ambiental do Governo Bolsonaro prevê corte de verbas e terceirização de responsabilidades para a iniciativa privada. Só no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, 42% do orçamento foi retirado.
“O compromisso ambiental do Brasil se daria, de fato, na medida em que o País se comprometesse em enfrentar a questão da concentração fundiária na terra e em garantir os direitos territoriais. E isso na COP pouco se avançou”, diz a doutoranda em planejamento urbano e regional no IPPUR/UFRJ, Julianna Malerba.
Para Malerba, no Brasil falar de questão ambiental é também falar de questão agrária e não há possibilidade de se resolver os problemas ambientais sem resolver as questões agrárias, que são relacionadas à posse, à propriedade e ao uso da terra no País. A assessora da FASE esclarece que a concentração de terras viabiliza uma forma de ocupação territorial que é problemática ambientalmente, contribuindo para o não avanço no combate às mudanças climáticas.