Escrevo artigos há vários anos e já perdi a conta de quantas vezes o assunto foi o preço dos combustíveis. Aguardo o dia em que essa questão esteja superada. Como surgem ideias para evitar os repasses ao consumidor cada vez que os preços sobem muito, parece que esse momento ainda está longe. Conceitos já explorados, insistentemente, ao longo de um século, aqui e em outros países, como controle de preços, fundo de estabilização, mecanismos de amortecimento e taxação das exportações voltam à cena como se representassem a solução mágica para o problema da volatilidade.

Há países que adotam políticas para evitar repasses ao consumidor quando o preço do petróleo sobe. Alguns definem preços diretamente. Aplicam subsídios diretos ou indiretos, financiados pelo refinador, normalmente uma empresa estatal, ou pelo Tesouro. Outros, menos de 10%, empregam mecanismos de amortecimento, como sistemas de bandas, prazos mínimos entre reajustes ou estoques reguladores. O financiamento também acaba sendo viabilizado por aportes diretos do Tesouro ou por fundos criados com esse objetivo.

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No entanto, a esmagadora maioria dos países, perto de 80% do total, notadamente os mais bem sucedidos econômica e socialmente, adota um mercado aberto, em que os agentes econômicos são livres para definir preços, que entram em equilíbrio por ação da concorrência. A maior parcela dos impostos é calculada de forma ad rem, ou seja, através de um valor fixo por litro. A cadeia de abastecimento e a tributação trabalham para mitigar a volatilidade dos preços, que ocorre a nível da commodity. O livre mercado garante o suprimento e a qualidade dos produtos, incentiva a concorrência e promove a segurança jurídica.

O emprego de políticas de estoques, reajustes periódicos, bandas de preços, fundos e mecanismos de amortecimento é exceção, não a regra. E se revelou ineficaz. Geralmente medidas desse tipo foram implementadas em situações de pressão, gerando expectativas que não se concretizaram no longo prazo. Acabaram sendo abandonadas ou limitadas, após produzir custos elevados. Não faltam exemplos para comprovar.

O Brasil encontra-se em um momento de transição. A Petrobras era monopolista até 1997. A quebra do monopólio ainda não se refletiu plenamente no abastecimento de combustíveis. Os preços foram liberados em 2002, mas os valores cobrados pela estatal continuaram contemplando algum grau de absorção das flutuações no mercado internacional. Isso era possível porque a empresa detinha o monopólio de fato do refino e atuava na importação e na distribuição de combustíveis. O quadro mudou a partir de 2014 e a companhia passou a respeitar a paridade de importação. Uma mudança estrutural, no entanto, só veio a partir de 2018/2019, quando, após a greve dos caminhoneiros, a abertura do setor de refino e a saída da estatal da distribuição de combustíveis começaram a se concretizar.

A Petrobras já transferiu a refinaria de Mataripe para uma empresa privada, está em negociações avançadas para concluir a venda de outras unidades e alienou suas participações em empresas distribuidoras de combustíveis. O monopólio de fato no refino e a capacidade de intervenção nos preços estão deixando de existir. Mas isso não parece bem entendido por alguns dos grupos que defendem medidas emergenciais para controlar os preços dos combustíveis.

Reduzir o valor da gasolina, do diesel e do gás de cozinha em R$ 1 custaria algo como R$ 100 bilhões por ano. Nas condições atuais, um aumento de US$ 1 no preço do petróleo implica um impacto de cerca de 1,3% nos preços ao consumidor e um crescimento de mais de R$ 1 bilhão na arrecadação anual dos entes federativos. Esse valor é da ordem de um terço do custo repassado aos consumidores dos três principais derivados. Calibrar o nível dos tributos ou empregar receitas públicas e excedentes de arrecadação produzidos por aumentos no valor do petróleo para mitigar as variações nos custos dos derivados seria uma decisão política legítima, como foi o subsídio ao diesel adotado em 2018. E como seria o descongelamento do valor do ICMS cobrado pelos estados. Porém, a volta da cobrança do imposto estadual sob a forma de um porcentual (ad valorem) iria na contramão de como os combustíveis são tributados no mundo, amplificando a volatilidade dos preços e, possivelmente, produzindo mais aumentos para o consumidor e maior arrecadação para os estados.

Um fundo de estabilização é de difícil implementação e tem escassas chances de funcionar. Basta lembrar a experiência passada com a Cide e com o Fundo Social do pré-sal. A taxação das exportações seria um retrocesso quando o País necessita de investimentos para aumentar a produção. Uma intervenção nos preços, com a adoção de um valor médio que consideraria a produção local e a importação, só seria factível em um ambiente de monopólio, pois seria impraticável compatibilizar os preços da Petrobras, dos outros refinadores e dos diferentes importadores, cada um com uma base de custo diferente.

O País nunca esteve tão próximo de ter um mercado livre, aberto, dinâmico e competitivo no setor de combustíveis. Os preços domésticos nunca estiveram tão alinhados aos internacionais. É hora de, com pragmatismo e perseverança, concluir a abertura iniciada em 1997, não de voltar a adotar medidas que nunca funcionaram.

*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. 

Este artigo, publicado originalmente na Broadcast Energia, representa exclusivamente a visão do autor.