Com a invasão da Ucrânia pela Rússia na madrugada da última quinta-feira (24), o mundo ficou em estado de alerta com as consequências para os dois países, sobretudo para os ucranianos, penalizados pela poderio armamentista dos russos.
As sequelas econômicas também preocupam, principalmente na Europa, dependente do gás e do trigo russos. A Rússia é o maior produtor de gás natural do mundo e o maior exportador de trigo do planeta.
No mundo, essas commodities vão sofrer variações diretas como conseqüência da guerra, e o Brasil não ficará imune – porque é importador de trigo e porque os preços dos combustíveis variam de acordo com as cotações internacionais, agora sob pressão.
“O Brasil não é autossuficiente em trigo. Não produzimos todo o trigo que consumimos e somos muito dependentes de outros países. Como o trigo é uma commodity o preço é cotado no mercado internacional, mesmo que a gente tivesse trigo de sobra aqui, esse conflito mexendo com os preços internacionais, que por sua vez aumentariam os preços domésticos”, afirma o economista André Braz, um dos responsáveis pelos indicadores de inflação da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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Com o disparo da cotação deste grão, a tendência é que o pão, os biscoitos, as massas e outros produtos que necessitem do insumo aumentem de preço. Lembrando que o Brasil importa a cada ano metade do consumo nacional de trigo, ou cerca de 6 a 7 milhões de toneladas.
O coordenador adjunto do Índice de Preços ao Consumidor da FGV, Braz indica que as tensões que o Brasil já tem sentido em relação ao aumento dos preços dos combustíveis serão acentuadas com a guerra em curso.
“A gente já vinha assistindo no período de conflito, ainda sem guerra, o preço do petróleo se aproximar de 100 dólares o barril. Ao mesmo tempo, a Petrobras já praticava aqui preços diferentes do mercado internacional, e isso já justificaria um aumento. Mas com a guerra, houve uma aceleração ainda maior do que a esperada para o preço do petróleo”, declara Braz.
Cadeia de plástico sob pressão
A apreensão começou a se espalhar pelo mundo quando foi confirmado ontem (24), pelo exército russo, o início dos bombardeios no território da Ucrânia. Apesar de o governo russo garantir que os ataques têm apenas como alvo bases aéreas ucranianas e outras áreas militares, não zonas povoadas, a polícia da Ucrânia declarou que a Rússia realizou ataques em praticamente todos os lugares no território ucraniano, com bombardeios atingindo até áreas residenciais.
O economista da FGV afirma que neste momento, com a escalada do conflito, a medida em que o preço do barril de petróleo só aumenta, o Brasil pode ver subir, além dos combustíveis, também o preço do plástico, o que afetaria a indústria automobilística, de eletroeletrônicos, de eletrodomésticos, de móveis e de outros segmentos que utilizam a matéria prima, como a parte de garrafas de refrigerantes, de água, sacolinhas plásticas.
“Como é uma guerra, pode atrasar ainda mais o desenvolvimento de cadeias produtivas que tinham sido levadas pela Covid-19”, acrescenta Braz. “Em meio a esse aumento de incerteza global, o real também parou de valorizar e já acumula uma desvalorização de 2%. Isso já aumenta as tensões acerca do aumento do combustível aqui dentro, que piora com o conflito.
O CEO do App Renda Fixa, o Francis Wagner, concorda com os pontos levantados por André Braz, e ainda adiciona outro tópico que traz preocupação ao mercado brasileiro: um impacto direto na carteira dos investidores causado pelo títulos de renda fixa que são atrelado aos índices de inflação e ao CDI, uma espécie de empréstimo que os bancos fazem entre si.
“A crise entre Rússia e Ucrânia deve impactar os mercados globais, sobretudo afetando os preços de commodities de energia como o petróleo e o gás natural e as agrícolas como o trigo e o milho. Esse efeito pode pressionar a inflação no Brasil, fazendo com que os planos do COPOM em dar início a um movimento de queda nas taxas de juros programado para começar ainda esse ano sejam postergados.”Com isso, os títulos de renda fixa atrelados aos índices inflacionários e ao CDI podem ter um impacto bastante positivo na carteira dos investidores.
O economista da FGV também avalia que o confronto entre as duas nações europeias favoreceu uma desvalorização do real frente ao dólar. Na quarta-feira (23), antes do conflito ser oficialmente iniciado, o dólar tinha fechado a cotação em torno de R$ 5,00, mas foi só virar o dia que a moeda chegou a atingir o patamar de R$ 5,14.
Guerra afeta dólar
Isso acontece pois em uma guerra o capital busca economias mais sólidas no momento,o que não é o caso do Brasil atualmente.
André explica que antes da guerra estourar o País acumulava um aumento na valorização do real em função do diferencial de juros, uma vez que os juros no Brasil estavam muito mais altos que no resto do mundo, favorecendo o capital especulativo que se aproveitou da diferença para ganhar dinheiro rápido. Mas apesar desse benefício para o câmbio brasileiro, esse não é um capital que é estável para a economia nacional.
“Não é aquele capital que ajuda a estrutura produtiva. Diante de qualquer ameaça, pode mudar de lado rapidamente, gerando muita insegurança. E uma parte dessa insegurança já se materializou na desvalorização que a gente viu hoje do real frente ao dólar, que rapidamente alcançou a cotação acima de cinco reais e dez centavos”, esclarece Braz.