Os últimos meses têm sido marcados pelo debate em torno da Petrobras. Na primeira metade de março houve anúncio de aumento recorde de preços da empresa, culminando no final daquele mês com a demissão do presidente Joaquim Silva e Luna, já que o impacto negativo do reajuste para cima de preços da Petrobrás sobre a economia é enorme.

A face mais visível e imediata é a inflação, acompanhada pela redução no potencial da atividade econômica do país. E isso é tudo que o presidente da República não quer, especialmente em um ano eleitoral. De fato, após o aumento recorde dos preços da estatal, março de 2022 apresentou a maior inflação mensal para este mês da era do Real, 1,62%, que equivale a uma taxa anualizada de 21,27%. Mais do que isso, o índice de difusão foi igualmente recorde, o que significa que a inflação não foi concentrada em alguns itens, como combustíveis, mas sim espalhada por bens e serviços, refletindo não só o efeito de outros aumentos passados dos combustíveis sobre a economia, mas também a resposta mais imediata dos preços de outros produtos aos aumentos praticados por outros produtores especialmente de bens essenciais, como a Petrobrás. Esse fato é extremamente preocupante em termos de inflação, porque indica que não está havendo acomodação dos preços relativos aos novos valores de bens básicos, como petróleo e derivados. A não acomodação dos preços relativos é um sintoma da temida “ciranda inflacionária”.

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E por que os preços praticados pela Petrobrás são tão importantes? Porque como oligopolista dominante no oligopólio nacional do petróleo, tem o poder de ditar os preços internos. Na prática atua como um monopolista que, internamente, define os preços a serem praticados no mercado de petróleo e seus derivados, em especial sobre a energia química, os combustíveis fósseis.

Praticar preços tão elevados no mercado interno mesmo sendo produtor de petróleo é caso raro. Vejamos, por exemplo, o preço, na bomba, da gasolina, do diesel, e do gás praticados internamente em alguns dos grandes produtores mundiais de petróleo. Segundo a consultoria especializada, Global Petrol Prices a gasolina brasileira custava, em média, no dia 14 de março de 2021, US$ 1,31 por litro, na mesma data, na Rússia, país em guerra, custava US$ 0,43, menos de 1/3 do preço brasileiro, no Kwait, outro grande exportador, US$ 0,34, no Qatar, US$ 0,57, na Arábia Saudita, US$ 0,62, no Irã é US$ 0,05, isso mesmo, 5 centavos de dólar. Vejamos o caso do Diesel, que na mesma data custava no Brasil US$ 1,14 por litro, na Rússia custava US$ 0,44, no Kwait, US$ 0,37, no Qatar, US$ 0,56, na Arábia Saudita, US$ 0,16, no Iran, US$ 0,01. Para o gás, no Brasil temos o preço de US$ 0,17 por kWh, na Rússia, US$ 0,005, MEIO centavo de dólar americano por kWh, 34 vezes mais barato que o gás no Brasil; no Kwait, US$ 0,03, no Iran, US$ 0,001 (um décimo de centavo de dólar dos EUA) e mesmo na Argentina, é menos de 1 centavo de dólar por kWh.

A Petrobrás se comporta como um membro informal da OPEP, vem focando na exportação e deixando o abastecimento com combustíveis, cada vez mais na mão da ABICOM, associação que reúne os importadores independentes de combustíveis. Esta prática consolida o Brasil como neocolônia econômica do século XXI, exportando o primário, o petróleo cru, para importar o elaborado, os combustíveis.

E por que isso? Porque o custo de extração da Petrobrás está cada vez menor, o custo de produção do petróleo no pré-sal já está na casa dos USD 2 (dois dólares) por barril, de onde já sai mais de 70% da produção. A atividade mais lucrativa para ela é extrair o petróleo e vendê-lo cru, sem refino. Até a Transpetro não interessa mais, está sendo desmontada.

Para manter esta prática atual são diversas as alegações duvidosas criadas, a primeira e mais corriqueira é a de que o petróleo brasileiro possui especificações que o tornam, em grande parte, incompatível com as refinarias da Petrobrás, por isso ela precisaria exportar o petróleo e deixar a importação de combustíveis para os importadores independentes. 

Ainda que fosse verdade, bastaria à Petrobrás “trocar” pelo petróleo compatível com as refinarias, exportando o que produz e importando o compatível. Essa troca sairia, a grosso modo, “elas por elas”, sem necessidade de importar os combustíveis refinados.

Outro argumento repetido aos quatro ventos ultimamente é a de que o Brasil não tem capacidade de refino para atender o mercado interno. Vejamos, em 2014 as refinarias nacionais produziram 181,6 milhões de barris de gasolina, que acrescidas com o álcool anidro (27% da mistura), chegamos a 248,76 barris de gasolina. Em 2021 o mercado brasileiro consumiu, no total, 247,2 milhões de barris de gasolina já diluída em àlcool, portanto menos do que foi produzido em 2014! Em relação ao diesel, que é economicamente o principal combustível fóssil para o país, em 2014 as refinarias brasileiras produziram 314 milhões de barris, de lá para cá a Refinaria de Pernambuco, aumentou a capacidade de produção em cerca de 45 milhões de barris, contando com o segundo trem suspenso pela Petrobrás. Logo, hoje a capacidade de refino nacional do diesel estaria em cerca de 360 milhões de barris por ano, ao passo que o consumo interno em 2021 foi de 343 milhões de barris! Portanto, caso sejam necessárias importações, essas são marginais e pontuais, facilmente diluídas no custo da empresa com impacto virtualmente nulo sobre os preços finais.

Graças aos pesados investimentos na Petrobrás, financiados no passado pelo povo brasileiro, com o objetivo da autossuficiência, o Brasil ingressou no século XXI como uma nação privilegiada, uma das poucas no planeta capaz de produzir a baixo custo toda a energia química derivada do petróleo que necessita para sustentar sua economia.

O aumento arbitrário dos lucros, à custa de toda a economia nacional, é o que a Petrobrás vem praticando. E o mais lamentável é que este aumento arbitrário é assimétrico, porque economia não é um jogo de soma zero. O que isso significa? Significa que o lucro da Petrobrás –e o abusivo aumento de receita dos estados com os impostos- não refletem a perda da economia nacional. O custo para economia em perda de renda efetiva ou potencial foi incomensuravelmente maior que os ganhos da Petrobrás e estados com o aumento da arrecadação. Quando alguém aposta R$ 100 no resultado do jogo de futebol, é um jogo de soma zero, o vencedor fica mais rico em R$ 100 e o perdedor mais pobre no mesmo montante. Mas em se tratando de bem essencial à economia, a mudança na estrutura de preços relativos provocado por um aumento no custo de energia, causa uma perda à economia maior do que o aumento de receita auferido pela companhia de energia e tributos relacionados, isso porque todo o potencial de crescimento da atividade econômica, e consequentemente da renda, é reduzido.

Por fim, a adesão da Petrobrás ao PPI acabou por dar vida a uma associação que reúne os importadores independentes de combustíveis. Com o tempo esses importadores cresceram e a associação que os representa tornou-se poderosa. São um dos poucos grupos, além da própria Petrobrás, que se beneficiam de tal política preços. Eles dependem dos preços altos praticados pela Petrobrás, incluindo os fictícios custos de importação, para sobreviverem. Com isso a ABICOM criou um lobby influente.

A ABRADIN – Associação Brasileira de Investidores- entende que o abusivo lucro apresentado pela Petrobrás, em função da sua política de preços, e o abandono da função econômica para a qual foi criada, bem como os escorchantes impostos aplicados na circulação dos combustíveis, está prejudicando enormemente a maioria de seus associados, na medida em que o ambiente macroeconômico nacional é prejudicado. Portanto, a maioria das empresas de capital aberto nas quais seus associados possuem participação, estariam em situação econômica muito melhor, gerando renda e lucros e, consequentemente, dividendos para seus associados, se a Petrobrás voltasse a cumprir sua função econômica e abandonasse a definição de seus preços pela política de paridade de preços. Afinal, o que é chamado de “mercado internacional” de petróleo, está longe de ser um mercado de concorrência perfeita, pelo contrário, é um mercado dominado por um cartel cuja política de preços já levou o mundo, e o Brasil, a enormes crises econômicas.

*Aurélio Valporto  é economista e presidente da ABRADIN

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