O ESG tomou uma goleada histórica na semana. Vamos aos piores momentos:
[1×0] Matéria da Bloomberg apontou que as gestoras Abrdn, Schroders, Blackrock e Vanguard se tornaram relevantes investidoras da Thungela Resources, um spinoff da Anglo American que minera carvão. Acontece que estas quatro gestoras são signatárias da iniciativa GFANZ (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), o que significa que elas se comprometeram com a descarbonização de seus portfólios com vistas a limitar o aquecimento do planeta em 1,5 graus Célsius. O investimento na Thungela foi bastante lucrativo… e mais uma vez parece que o dinheiro fala mais alto do que os compromissos e responsabilidade. O debate sobre carvão já deveria estar superado, ao menos para os signatários do GFANZ. Lamentável.
[2×0] Nesta mesma linha, em relatório emitido pelo Banco J P Morgan, o analista Dubravko Lakos-Bujas sinalizou que fundos auto proclamados como ESG estão flexibilizando seus critérios ambientais para poderem investir em ações de empresas de combustíveis fósseis. Por que? Pois com o petróleo acima de cem dólares, as ações das empresas do setor estão desempenhando bem… e estes gestores não querem ficar de fora. Pois é, parece que quanto mais o petróleo sobe, mais verde ele fica. O que vale é manter a narrativa intacta, o planeta que se estrepe, não é mesmo?
Com índices importados, ESG deixa de lado desmatamento, fome e corrupção no Brasil
[3×0] E por falar em bancos, três das maiores instituições financeiras dos EUA – Wells Fargo, Bank of America e Citi, todos eles signatários do Net-Zero Banking Alliance (iniciativa que se compromete com a descarbonização dos investimentos até 2050) tiveram rechaçadas as propostas para que não mais financiassem setores controversos e desalinhados da responsabilidade climática. Apenas 10% dos acionistas votaram a favor da responsabilidade! As justificativas dos CEOs nem foram tão criativas, já que, dado o placar da votação, parece que quem tem que se justificar são os que propõe a responsabilidade. Don´t look up! (mais detalhes, na matéria da Reset)
[4×0] Mas não é só o mercado financeiro que faz suas travessuras… O mundo corporativo é repleto delas. Nesta semana, o Ministério da Justiça e o PROCON notificaram o McDonalds que estava vendendo um sanduiche chamado McPicanha que era feito de… hamburger. Sim, a empresa admitiu que não havia picanha na composição do prato, apenas o molho tinha aroma natural de picanha. Indigesto.
A semana estava recheada… não parou por aqui.
[5×0] A Harris Poll – importante empresa de pesquisa norteamericana – ouviu 1,491 CEOs e outros executivos C-Level de empresas com mais de 500 funcionários de 16 diferentes países (ver aqui) sobre seus compromissos com sustentabilidade. Resultado: 58% dos líderes empresariais de empresas globais e 68% dos líderes americanos admitiram que suas próprias companhias praticam greenwashing. Embora a pesquisa tenha sido anônima, se cerca de dois terços dos executivos admitiram a prática, qual será o número real? Certamente muitos que praticam não admitiram… Surpres@s? Eu não. Quem me acompanha sabe o que penso neste campo…
Em semana assim recheada, não podem faltar dois dos nossos mais ilustres personagens: JBS e Vale, quem mais?
[6×0] Uma coalizão de instituições (Institute for Agriculture and Trade Policy – IATP, Feedback e Mighty Earth) divulgou um estudo independente sobre as emissões de CO2e da JBS, que reporta emissões de apenas 6,8 milhões de toneladas (e até hoje não reporta as emissões de sua cadeia de suprimentos). Segundo este relatório independente, as emissões da JBS, quando incluem o escopo 3, atingem 422 milhões de toneladas!!! Para termos uma ideia, isso equivale a sete vezes as emissões de escopo 1 e 2 da Petrobrás ou, superior a todas as emissões anuais de países como a Itália ou Espanha!
A JBS nega, é claro. Diz que o estudo foi feito baseado em metodologia errônea (mas não aponta quais os erros) e diz que é transparente e comprometida… mas além de negar, não apresenta número algum. Segundo o UOL, a editora britânica do DeSmog diz que a JBS usa as mesmas táticas de greenwashing empregadas pelas grandes empresas de petróleo e gás há décadas.
[7×0] Nossa hors-concours Vale não podia ficar de fora. Nesta semana, a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), acusou a VALE de fazer declarações falsas sobre a segurança de suas barragens de Brumadinho, no desastre que matou 270 pessoas e gerou um dano ambiental sem precedentes.
Na petição inicial (confira a íntegra aqui), que contém 76 páginas, constam declarações muito fortes, das quais destaco algumas:
- Over a period of more than two years, from February 2016 through October 2018, Vale knowingly or recklessly obtained eight fraudulent and deceptive stability declarations in connection with corrupted audits of the Brumadinho dam;
- At the time it obtained these stability declarations, Vale knew they were based on unreliable and flawed laboratory data or a flagrant disregard for minimum standards of safety that Vale purported to follow. Vale knew that assessments of the Brumadinho dam, based on best engineering practices, had revealed that the dam did not even meet Vale’s own safety standards much less international standards for dam safety;
- Vale removed auditors when they refused to bend to Vale’s will and utilized “blackmail” to coerce other auditors to comply with Vale’s demands. Vale cut backroom deals with one of its auditors, which promised to issue stability declarations in exchange for lucrative contracts from Vale.
É claro que tem muita água para rolar e é necessário ouvir às argumentações da Vale antes de tomar partido… mas o fato é que até hoje não há um responsável por tudo aquilo.
7×0!
Nas minhas redes sociais, propus alterarmos o acrônimo ESG para “Eu Sou Ganancioso” – acho que faria mais juz à nossa atual realidade. Empresas e investidores seguem olhando para seu próprio umbigo em uma visão de defesa integral dos shareholders em detrimento dos stakeholders. Surreal.
E nosso golzinho de honra?
Diante deste contexto todo, o Pacto Global acertou em cheio na divulgação do maravilhoso vídeo que propões a mudança para Marte: “Imagine um lugar onde as empresas não têm necessidade de preservar o meio ambiente, onde não existe nenhuma política de equidade de gênero ou racial e a emissão de gases do efeito estufa é liberada. Sim, o paraíso socioambiental existe. E fica a apenas 277 milhões de km da Terra“.
Talvez seja o que resta, certo Elon?
*Fabio Alperowitch é gerente de portfólio da Fama Investimentos/ ESG
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