Em meio à disputa eleitoral marcada por mentiras e exageros, a questão do aumento real de salário ganhou mais protagonismo nesta semana.
Enquanto o presidente Bolsonaro prometeu o aumento real de salário não visto ainda em seu governo – Lula lembrou que o salário mínimo cresceu todos os anos sob sua gestão.
Antes de o assunto ganhar atenção de Bolsonaro nesta quinta-feira, Lula levantou o tema em entrevista ao podcast Flow na terça. O candidato do PT lembrou que uma parcela significativa dos trabalhadores de categorias organizadas conseguiu ganhos reais expressivos tanto no seu governo quanto no de Dilma Rousseff.
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A Agência Nossa procurou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para checar e apurar as informações.
No segundo mandato do governo Lula, 83% dos reajustes concedidos a trabalhadores nas principais negociações do país foram acima da inflação. Esse percentual foi de 58% no seu primeiro mandato.
No caso de Bolsonaro, 30,4% dos reajustes salariais, de todas as negociações, conseguiram ganho real, considerando dados até agosto de 2022.
O Dieese considera como deflator o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do IBGE, orientado pelo orçamento de famílias de menor poder aquisitivo em relação ao IPCA.
Como o Dieese mudou a metodologia de cálculo em 2016, incorporando todas ou quase todas as negociações do Brasil, os dados são sinalizadores mas ainda precisam de tratamento para melhor comparação. Antes, o órgão considerava apenas as principais negociações.
“Embora a comparação não seja precisa, é possível dizer, sim, que o ambiente de negociação piorou. Em 2018 fizemos dois painéis só para ter uma ideia – o que já estávamos acostumados a fazer e o novo, e o novo foi um pouco melhor para os trabalhadores”, afirmou o técnico responsável pela pesquisa de reajustes e de negociações coletivas do Dieese, o sociólogo Luís Ribeiro.
Os dados de piora significativa dos reajustes estão em consonância com vários outros indicadores de renda do trabalho.
O rendimento médio capturado pelo IBGE no trimestre encerrado em agosto, por exemplo, é equiparável ao nível de 2016 e ainda se encontra abaixo do patamar anterior à pandemia. A média atual de R$ 2.713 do salário é quase a mesma que os R$ 2.716 verificados há seis anos e menor que os R$ 2.863 de 2019, na pré-pandemia.
Reforma Trabalhista
O fator preponderante que explica o enfraquecimento do trabalhador e os menores reajustes é a Reforma Trabalhista, segundo o diretor do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda, Darker Pamplona, à frente de negociações trabalhistas junto à CSN. A reforma derreteu o poder de negociação e a representatividade exercida pelos sindicatos.
“A redução do campo de manobra dos sindicatos se deu principalmente por dois fatores: fim do Imposto Sindical, que tirou capacidade financeira, e mudanças no acesso à Justiça do Trabalho”, afirmou.
Ele lembra que, devido à reforma, a Justiça do Trabalho quase que se tornou inacessível aos trabalhadores, “mesmo em causas em que os Sindicatos entram como substitutos processuais, pois estabeleceu o pagamento de honorários de sucumbência e pagamento de custas – a JT deixou de ser gratuita”.
Por outro lado, diz o diretor do sindicato, a inexistência de regras de reposição de perdas salariais faz com que os trabalhadores tenham que se submeter às propostas dos patrões. Na CSN, as perdas salariais desde 2018 chegam a 25%, sem perspectiva de reposição, conta.
O responsável pela pesquisa do Dieese lembra que esse processo de perdas salariais começou na gestão de Temer.
“Com a ascensão do Temer, a orientação político-econômica se altera, levando a um desinvestimento na economia interna, a um isolamento internacional, e ao enfraquecimento das entidades sindicais (essa, em especial, a partir da reforma trabalhista de 2017)”.
Discurso X Realidade
Apesar de admitir que seu ministro da economia, Paulo Guedes, fala em desindexação da economia, Bolsonaro afirmou nesta quinta, no podcast Inteligência Ltda, que “no mínimo vai ter um aumento real, mais do que a inflação”.
No entanto, na proposta de Orçamento de 2023, enviada em agosto pelo governo ao Congresso, não há previsão de aumento real do salário mínimo. O valor proposto, de R$ 1.302, representa mais um ano seguido de perda salarial.
O histórico do PT é o oposto no que diz respeito a aumento salarial, talvez a maior marca de seu governo.
Quando Lula assumiu o governo, em 2003, o salário mínimo era R$ 200, disparando, ano a ano, até atingir R$ 510 no fim do segundo mandato, em 2010. Em janeiro de 2016, ainda na gestão de Dilma, o salário chegou a R$ 880.
No semestre encerrado em agosto, a maior queda no rendimento médio do trabalho afetou o funcionalismo público. Houve redução no grupamento de Administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais de 7,7%, um mordida de R$ 315 em média no salário, considerando o efeito inflacionário.
O candidato do PL prometeu conceder aumento real do salário mínimo e para o funcionalismo público um dia após o jornal Folha de São Paulo publicar que o ministro Paulo Guedes estaria planejando rever a política de reajustes do salário mínimo e das aposentadorias, que não seriam mais corrigidos pela inflação do ano anterior. Bolsonaro negou o plano e prometeu a correção dos salários.