A narradora da propaganda eleitoral afirma que o governo de esquerda deu o peixe mas não ensinou a pescar. “Até que veio o governo de direita, que além de dar o peixe, também ensinou as pessoas a pescarem”, diz o anúncio veiculado na televisão.
Mas as principais variáveis econômicas que abrem caminho para a pesca mostram o oposto do que informa a propaganda. A começar pela natureza dos benefícios sociais praticados por cada candidato.
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O governo Bolsonaro trocou o Bolsa Família, um programa social repleto de condicionantes e cursos de capacitação, pelo Auxílio Brasil, um benefício puramente financeiro, sem contrapartidas.
Extinto por Bolsonaro, o Bolsa Família determinava que seus beneficiários cumprissem exigências como permanência na escola, acompanhamento pré-natal, exames para idosos. Além disso, havia cursos de geração de renda, onde beneficiárias do programa social no interior do Maranhão por exemplo aprendiam a produzir cestos e outros materiais a partir do uso de folhas de palmeiras locais.
Para checar quem de fato ofereceu condições de pesca como alardeia a propaganda política, a Agência Nossa apurou indicadores de fome, emprego, PIB, renda e inflação nos governos Lula e Bolsonaro.
Fome 55% maior no governo Bolsonaro
Em recorte enviado a esta reportagem, a FGV Social mostra que a insegurança alimentar no governo Lula atingiu cerca de 20,20% da população, enquanto no governo Bolsonaro, esse percentual passou de 31%. A taxa é 55% maior.
O cálculo é da equipe do economista Marcelo Neri, um dos maiores especialistas em pobreza do Brasil, a partir do processamento dos dados do Gallup World Poll. Os dados não incluem o primeiro mandato de Lula, pois a pesquisa é a partir de 2006.
“De forma geral o indicador capta a incapacidade da família suavizar estados de perda extrema, incluindo aí choques e comportamentos”, afirma Neri, diretor da FGV Social.
Um trecho da pesquisa que aplica este indicador resume a trajetória da fome no Brasil para além dos governos Lula e Bolsonaro: “O filme da insegurança alimentar brasileira captado entre 2014 e 2021, passando pelo período de pandemia, é dramático. A proporção de pessoas em famílias com falta de dinheiro para alimentação sobe de 17% em 2014, quando o Brasil sai do Mapa da Fome da ONU, para 36% em 2021, o ponto mais alto da série histórica anual, iniciada em 2006, quando o indicador atingia 20%”.
Uma das perguntas de Lula a Bolsonaro no último debate entre candidatos, nesta sexta-feira na rede Globo, foi justamente essa: por que a fome disparou em seu governo.
Bolsonaro enfrentou uma pandemia, mas o petista afirmou que a falta de reajuste real de salário e a reforma da previdência provocaram o aumento da miséria.
Para especialistas, a forte geração de emprego no governo Lula também ajuda a explicar o seu sucesso no combate à pobreza. Saíram da pobreza cerca de 30 milhões de pessoas em seu governo. A redução da desigualdade social, outra marca de seu governo, também contribuiu para aumentar o tamanho da classe média.
Geração de emprego 20% maior
Mais do que peixe, a população viu no governo Lula um aumento médio de 15 milhões de vagas, segundo dados da Pnad anual do IBGE. Foram vagas abertas entre 2003 e 2009. Em 2010 a Pnad não foi realizada e portanto não foi possível incluir a soma exata do número de empregos no último ano de Lula na presidência.
No governo Bolsonaro, o total de pessoas ocupadas passou de 93 milhões para 99,2 milhões, cerca de 6,2 milhões novos postos de trabalho.
Considerando os anos de governo de cada um, Lula gerou cerca de 2 milhões de empregos por ano, enquanto Bolsonaro, 1,5 milhão.
Para capturar os dados do petista, a reportagem usou dados da Pnad anual, fixa, que tem série histórica ampla. Como sua última edição com dados disponibilizados no site do IBGE é de 2015, não foi possivel usar a mesma pesquisa para colher dados sobre Bolsonaro. Foram considerados então dados da Pnad contínua. A série histórica desta Pnad começa na década passada e não capta os mandatos de Lula.
Tanto Lula quanto Bolsonaro fazem questão de exibir dados de emprego. No último debate, Lula cutucou o adversário ao comentar que seus números de mercado de trabalho estavam inflados. com a entrada de pessoas MEI, que não levam carteira de trabalho assinada.
PIB 4% de Lula, 1% Bolsonaro
Foi no governo Lula que o Brasil passou de 13a para a 7a maior economia do mundo. Em Bolsonaro, o caminho foi oposto, passando da 9a posição e voltando para a 13a.
A taxa anualizada do PIB no governo Lula, em seus 8 anos de mandato, foi de 4%, enquanto a de Bolsonaro, 1%.
Bolsonaro enfrentou a pandemia e agora uma guerra. Mas Lula também enfrentou uma crise que derrubou as maiores economias do planeta causada por escândalo de especulação imobiliária nos EUA.
“Lula iniciou seu governo se aproveitando da herança bendita do (Pedro) Malan. unificou programas sociais criados também no governo FH e tirou milhões de pessoas da pobreza. Recuperou salário mínimo, criou cotas para universidades, dobrou as vagas nas universidades”, afirmou o coordenador de Contas Nacionais do IBRE, Claudio Considera, em entrevista à Agência Nossa, por telefone.
Considera lembra que Lula não precisou renovar empréstimo com o FMI e, pelo contrário, até pagou o que o Brasil devia. Pegou o boom de commodities que facilitou a valorização da moeda, mas Bolsonaro também tem se beneficiado da alta de preços no mercado internacional.
“Já a economia de Bolsonaro é esse desastre que está aí. PIB baixo, um dos piores resultados do mundo E diz que está entre os melhores”.
Inflação de Lula é maior
A inflação do primeiro mandato de Lula superou a de Bolsonaro nesses quatro anos de governo. De 2003 a 2006, os preços variaram 28,20% segundo o IPCA. No primeiro ano, o Brasil passava por uma forte oscilação cambial, que pressionou fortemente os preços.
No segundo mandato, o IPCA acumulado foi de 22,21%. E variou 24,89% no governo Bolsonaro.
O economista André Braz, responsável pela pesquisa de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca a inflação de 52,9% dos alimentos no governo Bolsonaro, índice bem acima das variações de Lula, de 9,9% no primeiro e 38,8% no segundo mandato.
“Estes 52% (inflação dos alimentos) não é só culpa do Bolsonaro. Ele tem uma certa responsabilidade pela má ingerência da politica fiscal, que afeta o câmbio. A desvalorização cambial bate de frente com commodities e isso afeta o preço de alimentos. O Brasil atravessou ainda uma crise hídrica (…) que afetou também a produção de alimentos”, afirma o economista.
Aumento real recua a mais da metade
Quando Lula assumiu o governo, em 2003, o salário mínimo era R$ 200, disparando, ano a ano, até atingir R$ 510 no fim do segundo mandato, em 2010. Em janeiro de 2016, ainda na gestão de Dilma, o salário chegou a R$ 880.
No governo Bolsonaro não houve aumento real de salário em nenhum dos anos de sua gestão.
Após seu ministro da economia, Paulo Guedes, falar em desindexação, Bolsonaro prometeu reajustar o salário mínimo acima da inflação, se reeleito em 2023.
No entanto, na proposta de Orçamento de 2023, enviada em agosto pelo governo ao Congresso, não há previsão de aumento real do salário mínimo. O valor proposto, de R$ 1.302, representa mais um ano seguido de perda salarial.
Em reportagem recente, a Agência Nossa mostrou que no segundo mandato do governo Lula, 83% dos reajustes concedidos a trabalhadores nas principais negociações do país foram acima da inflação. Esse percentual foi de 58% no seu primeiro mandato.
No caso de Bolsonaro, 30,4% dos reajustes salariais, de todas as negociações, conseguiram ganho real, considerando dados até agosto de 2022. Os dados são do Dieese.