Em uma das mais longas conferências climáticas, os diplomatas e representantes dos dos quase duzentos estados nacionais que ratificaram a Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças do Clima finalmente conseguiram dar um passo relevante, ainda que simbólico, na agenda social do planeta.
A COP 27 entregou a criação de um fundo para perdas e danos climáticos em países em desenvolvimento, um pleito de três décadas feito pelos pequenos países ilhas do Pacífico e outros países vulneráveis à mudança do clima.
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No entanto, para impedir que o aquecimento do planeta ultrapasse o limite de 1,5C como previsto pelo Acordo de Paris, pouco se avançou na agenda de ações para redução de emissões de gases de efeito estufa, e, menos ainda, para a transição energética com fins ao uso de energias renováveis.
“Se por um lado foi alcançado um resultado histórico com a criação de fundo para perdas e danos, por outro andamos de lado mais uma vez em relação à ambição climática. Um ano já se passou desde Glasgow e o que vimos foram países querendo retroceder. Temos agora apenas sete anos para cortar as emissões de gases de efeito estufa pela metade para limitar o aumento da temperatura a 1,5oC. O programa de trabalho em ambição climática aprovado não garante que as reduções vão acontecer na velocidade que precisamos”, avalia Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.
O documento com as conclusões da COP27, aprovado em plenária na manhã de 20 de novembro de 2022, cria um mecanismo financeiro específico para compensar os países pobres que estão sofrendo com eventos climáticos extremos decorrentes da mudança do clima.
Criação de comitê para estruturar fundo
“A criação deste fundo é uma grande vitória das nações mais pobres, notadamente o grupo de pequenos países insulares, que há décadas pleiteiam a existência de um mecanismo de financiamento específico para a dramática situação que eles vivem”, afirma, em nota, a WWF.
A estruturação e a operacionalização deste fundo serão definidos até a COP28, por um comitê de transição com 24 integrantes, sendo 10 de países desenvolvidos e 14 de países em desenvolvimento. Aliás, esse comitê é o que se tem de definitivo até então.
“Embora os detalhes operacionais tenham ficado para futuras conferências e que o histórico de outros mecanismos de financiamento climático já criados não seja muito auspicioso, esta vitória coloca de forma inconteste a questão social na mesa de negociações. Com a criação do mecanismo de Perdas de Danos, o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ganha contornos mais sofisticados, pois atende necessidades específicas das nações menos desenvolvidas”, acrescenta a organização internacional.
Um parágrafo da decisão fala em estudar uma variedade de fontes de financiamento, o que não exclui contribuições dos países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil.
“Os países ricos sempre resistiram a isso, com medo de abrir uma avenida para o litígio internacional – afinal, pagar por perdas e danos equivale a reconhecer que eles devem compensação pelo estrago que fizeram na atmosfera e que afeta de maneira desproporcional as nações que menos esquentaram o planeta”, afirma o Observatório do Clima em nota à imprensa.
Depois de muita pressão dos países em desenvolvimento e da sociedade civil, o tema foi debatido formalmente em Sharm El-Sheikh. Em Glasgow, os países haviam combinado que neste ano ocorreria um “diálogo” sobre este financiamento.
Os países desenvolvidos, em especial os EUA, passaram a bloquear a negociação, observam analistas. “O enviado especial de clima do governo americano, John Kerry, dizia a quem quisesse ouvir que os EUA não topariam um fundo de jeito nenhum”.
Os EUA e a Europa querem que os países emergentes também contribuam, o que o G77 rejeita.
“Quando passou pelo Egito a caminho da reunião do G20 em Bali, Joe Biden tentou vender uma alternativa tabajara, o Global Shield – um fundo voluntário de US$ 170 milhões criado pelo G7 e funcionando de acordo com as regras do G7, ou seja, com o controle dos países ricos”, afirma a organização brasileira.
Empoderamento
A Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action, rede latino-americana de mobilização contra mudanças climáticas avalia que a COP da África empoderou os países em desenvolvimento e promoveu “conversas mais francas sobre justiça climática e divisão de responsabilidades entre os países: conversas que há muito tempo vem sendo adiadas”.
“Ainda que não tenha dado a melhor solução para todos os problemas, a COP do Egito não fugiu dos problemas difíceis; teve uma agenda parruda, com muitos temas sensíveis ao mesmo tempo. E tudo isso impulsionado pela participação massiva da sociedade civil, que enfrentou os riscos de se fazer ativismo em um país que restringe direitos civis e liberdade de expressão. Esta não foi a COP da implementação, mas foi a COP da perseverança”, diz a Laclima.