O desmatamento voltado para a produção de commodities agrícolas irrigadas no Cerrado impactam mais as vazões dos rios do que as mudanças climáticas. Um estudo assinado por nove especialistas na revista científica Sustainability prevê que o atual ritmo de atividade do agronegócio reduzirá em 90% o fluxo de água nas bacias e secará pelo menos um terço do volume de água na região até 2050.
“Nossa análise indica que estamos abraçando um futuro incerto de disponibilidade de água superficial no bioma Cerrado. A maioria das bacias estudadas está sujeita a altas taxas de desmatamento ligadas à expansão igualmente elevada de terras agrícolas”, afirma o trabalho intitulado Um futuro preocupante para os fluxos dos rios no cerrado brasileiro provocado pelo uso da terra e mudanças climáticas.
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O estudo avalia os impactos do uso da terra e das mudanças climáticas nas vazões de 81 bacias hidrográficas do bioma Cerrado, com base em uma análise de dados de campo e secundários adquiridos entre 1985 e 2018.
“Para médio e longo prazo, prevemos futuros níveis críticos de abastecimento de água superficial e intensificação dos atuais conflitos hídricos a médio e longo prazo”.
O alerta vale principalmente para a região do Matopiba, nova fronteira agrícola que leva no nome as iniciais dos estados que a compõem – Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia. Atualmente tem sido palco de inúmeros conflitos pela posse de terra, levando à morte dezenas de pequenos agricultores e ao êxodo centenas deles.
A área mais crítica, onde faltará mais água, segundo o estudo, é o oeste da Bahia, um dos pólos de produção de alimentos para exportação. A abundância de uvas, por exemplo, uma lavoura típica de regiões mais frias, contrasta com as elevadas temperaturas do sertão. Na região de Juazeiro, grandes produtores desviam o rio São Francisco para suas lavouras de exportação. Isso ocorre pelo menos desde a década passada.
“A crescente exportação de commodities de consumo intensivo de água mudou a governança da água, transferindo o controle da água de atores locais, regionais e nacionais para aqueles que dominam as cadeias de produção agrícola global”, afirmam os autores. Eles citam estudos na América Latina que observaram que as alianças políticas entre entre empresários e governos permitiram a concentração dos direitos sobre a água em empresas agroindustriais, afetando fortemente a equidade social e a sustentabilidade do uso da água.
Aproximadamente 80% dos pivôs centrais no Brasil estão localizados na região do Matopiba, oeste do estado da Bahia, onde a reforma da política ambiental após 2012 permitiu que a agricultura industrial tivesse acesso ao abastecimento de água em uma região que mostra crescente escassez e conflitos sociais relacionados ao acesso à água.
Os autores sugerem a países importadores das commodities agrícolas brasileiras que revejam seus acordos comerciais com o Brasil. As políticas de importação de diversos países dependentes de commodities agrícolas brasileiras deveriam ser devidamente revistas para evitar a importação de qualquer commodity agrícola relacionada a novos desmatamentos no bioma Cerrado.
Importadores co-responsáveis
“Nesse caso, os impactos ambientais, como aumento da escassez de água, emissões de carbono, perda de biodiversidade, etc., devem ser compartilhados comercialmente com esses importadores e informados aos consumidores”.
O Brasil desempenha um papel importante nas exportações globais do agronegócio, alcançando mais de US$ 120 bilhões de dólares por ano exportando commodities agrícolas para China, União Européia e EUA .
“É preocupante o papel dos produtores, exportadores e consumidores de commodities agrícolas, bem como o papel da definição e execução de políticas públicas de comando e controle na mitigação e adaptação às mudanças climáticas atuais e futuro”.
Assinam o estudo os especialistas Yuri Salmona, fundador do Instituto Cerrados e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais da Universidade de Brasília e Eraldo Maricardi e Reuber Brandão, do mesmo programa; David Skole, do Observatório Global para Serviços Ecossistêmicos e Departamento de Florestas, Michigan State University; João Flávio Silva, do Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Estatística UFSCar-USP (PIPGEs), Universidade Federal de São Carlos; Osmar Coelho Filho e Leidi Castrillon, do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais e Recursos Hídricos da Universidade de Brasília; Tiago Sampaio, d Departamento de Estatística, Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro; Andrea da Silva, do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, Universidade de Brasília; Marcos Pedlowsky, do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico (LEEA), Centro de Ciências do Homem (CCH), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e Saulo Souza, da Agência Nacional de Águas—ANA.