Autoridades envolvidas no enfrentamento ao trabalho escravo apontam o crescimento da terceirização como um fator que impulsiona a degradação das condições de trabalho. De acordo com a vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), Lydiane Machado e Silva, cerca de 97% dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão são de empresas terceirizadas.

Com a reforma trabalhista de 2017, que autorizou a terceirização de atividades-fim, cada vez mais as grandes empresas investem na subcontratação de serviços para a realização de atividades específicas. Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que cerca de 80% das empresas brasileiras utilizam a terceirização em algum setor ou atividade, destinando, em média, 18,6% de seus orçamentos para esse fim. Em 2020, segundo o IBGE, cerca de 4,3 milhões dos profissionais eram terceirizados, o que correspondia a cerca de 25% dos trabalhadores formais.

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Por isso, as autoridades estão cada vez mais voltando suas atenções para as cadeias produtivas das grandes empresas. 

“As empresas têm uma função social, inclusive preconizada em nossa Constituição Federal. Não basta lucrar. Portanto, as empresas que terceirizam seus serviços devem também criar mecanismos para monitorar toda a sua cadeia produtiva de modo a garantir a dignidade da pessoa humana em todo o seu processo produtivo”, comenta Lydiane Machado e Silva. 

A procuradora ressalta que a terceirização normalmente implica em uma redução de custos. 

“E mesmo quando o serviço contratado está muito distante da atividade principal da empresa, no final, quem vai se beneficiar é a grande empresa. Por isso, tanto as autoridades quanto a sociedade têm que observar de perto essas relações comerciais. E a grande empresa que não que ter sua imagem maculada por práticas trabalhistas análogas à escravidão tem que monitorar toda a sua cadeia produtiva para que não se utilizem de más práticas. E quando não o fazem, devem ser também responsabilizadas”, assinala. 

O Ministério Público do Trabalho (MPT) vem buscando a responsabilização direta das empresas que terceirizam. O procurador-chefe do MPT-MA, Luciano Aragão Santos, explica que, além de serem obrigadas a tomar medidas de devida diligência, essas empresas podem ser condenadas a indenizar danos morais coletivos.

“Buscamos que as empresas que terceirizam se responsabilizem pelo monitoramento de suas cadeias produtivas”, ressalta.

No último dia 10 de agosto, o MPT-MA instaurou inquérito civil para investigar a Viena Siderúrgica S/A por irregularidades relativas ao “trabalho análogo ao de escravo”. Segundo apurou a reportagem, a investigação teria por base a relação com fornecedores, no caso, carvoarias autuadas por trabalho escravo. Os procuradores do Trabalho alegam que existe responsabilidade direta das empresas por não monitorarem suas cadeias.

Carvoaria Artesanal-queima da lenha para produção de carvão em Arandu, São Paulo, Brasil. Foto: José Reynaldo da Fonseca/ Divulgação

O MPT informou que não comenta investigações em andamento. Mas, de acordo com a portaria de instauração do inquérito, “as condições degradantes de trabalho, análogas à de escravos, a que supostamente estavam expostos os trabalhadores, configuram desprezo à dignidade da pessoa humana pelo descumprimento de direitos fundamentais do trabalho, em especial os referentes à higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação e outros relacionados a direitos da personalidade, decorrente de situação de rebaixamento e sujeição que tornam irrelevante a vontade do trabalho, configurando verdadeira escravidão contemporânea”.

O Maranhão é um dos estados brasileiros mais críticos em relação a esse tipo de prática. Estudo do MPT-MA com base no Observatório Digital de Trabalho Escravo (SMARTLAB MPT / OIT) realizado em 2017, colocava o estado no topo do ranking nacional de fornecimento de mão de obra escrava. Entre 2003 e 2017, de 43.428 trabalhadores resgatados em todo o país, cerca de 23% eram de origem maranhense. Atualmente, de acordo com dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, o estado ocupa a segunda posição no ranking, perdendo apenas para Minas Gerais. 

Governo, ONGs e autoridades promovem ações constantes no estado de repressão e também de conscientização para o enfrentamento ao trabalho escravo. Em 2022, o MPT-MA recebeu 80 denúncias envolvendo trabalho escravo e resgatou 81 trabalhadores em 12 operações, realizadas em 19 municípios. 

Nesta mais recente lista suja de 2023, aparecem 24 autuações no Maranhão, entre pessoas físicas e jurídicas. As fazendas citadas são a Pedreira 002, Estrela, Macapá, Bom Retiro, Cachimbo, Santa Rita, Bela Vista, Lajeado, Santo Antônio, Santa Teresinha, Recreio Curral Velho, Santo Cristo e Javé Jiré, São Raimundo, São Sebastião, São Bernardo e Morada Nova II. Contam ainda, o Povoado Vila Real, Constam ainda a Hidráulica Maranhense LTDA e a F de S Goes Construtora Eireli, além de um alojamento para vendedores ambulantes. O MPT não informou quais desses fornecedores teriam relações comerciais com a Viena Siderúrgica, que é uma das maiores produtoras de ferro gusa do Brasil e exporta para os mercados da Ásia e Europa, sendo os Estados Unidos seu maior comprador, representando mais de 80% de suas vendas.

Procurada pela reportagem da Agência Nossa, a Viena Siderúrgica S/A respondeu que a empresa ainda não foi intimada sobre o inquérito e que só poderá se manifestar quando tomar conhecimento de todos os elementos convicções da investigação.