Os mercados de compensação de carbono e biodiversidade estão estimulando negociações de terras em larga escala, turbinando seus preços e expulsando delas pequenos agricultores, responsáveis pelo abastecimento de alimentos básicos. O alerta é do Painel Internacional sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-FOOD), em relatório publicado nesta semana.
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Em 2023, os mercados de compensação de carbono já estavam avaliados em US$ 414 bilhões em todo o mundo, um valor projetado para alcançar US$ 1,800 trilhão até 2030. Com a especulação dos preços das terras, a concentração de terras está aumentando em todas as regiões e, segundo o relatótio, atingindo níveis sem precedentes. Um por cento das maiores fazendas do mundo agora controlam 70% das terras agrícolas do planeta.
No Brasil, apenas 0,3% das holdings respondem por um quarto das terras agrícolas. Os conflitos no campo pela posse de terras, consequentemente, têm crescido exponencialmente, sobretudo na nova fronteira agrícola conhecida como Matopiba — as sílabas iniciais dos quatro estados envolvidos: Maranhão, Tocantins, Piauí Bahia.
A concentração de terras agrícolas é particularmente grave na América do Norte, Europa e América Latina – com o 1% do topo controlando 80% das terras agrícolas na Colômbia.
“Os governos e as grandes corporações estão se apropriando de grandes extensões de terra por meio de esquemas verticais (do topo para as bases, ou “top-down” em inglês) de conservação que excluem os usuários locais da terra e os produtores de alimentos em pequena escala – aqueles que mais sofrem o impacto das mudanças climáticas – incluindo compensações de carbono e biodiversidade, iniciativas de “ganho líquido de biodiversidade” e esquemas de plantio de árvores em grande escala (sem garantir biodiversidade)”, afirma o estudo.
O relatório “Encurralados O que está exacerbando as pressões sobre as terras agrícolas pelo mundo e o que pode ser feito para garantir o acesso equitativo à terra?” aponta que cerca de 25 milhões de hectares de terra foram adquiridos por uma única firma de “criação de ativos ambientais”, a Blue Carbon, sediada nos Emirados Árabes Unidos, por meio de acordos com os governos do Quênia e Zimbábue, da Tanzânia, Zâmbia, e Libéria.
“A terra e os recursos também estão sendo apropriados para a produção de biocombustíveis e energia verde, incluindo projetos de “hidrogênio verde” com uso intensivo de água e a conversão de terras agrícolas em parques solares, criando riscos e compensações para a produção local de alimentos”.
O relatório também elenca como potencial de pressão das terras a migração de investidores para o setor agrícola.Os especialistas lembram que, no rescaldo da crise de 2007-08, os investidores se voltaram para as terras agrícolas para tornarem seus portfólios mais seguros, embora as terras agrícolas continuassem sendo uma porcentagem relativamente pequena de seus investimentos.
Desde então, os mercados de derivativos de terras agrícolas se tornaram cada vez mais complexos, e os financiadores encontraram novas maneiras de tornar as terras agrícolas um investimento mais atraente.
“Esses resultados podem chegar a um ponto sem retorno nos próximos anos, à medida que diferentes formas de apropriação de terras convergem e se intensificam, e as comportas são abertas para influxos de capital enormes e desestabilizadores”.
Veja o que diz Ariana Gomes, secretária-executiva da Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama), sobre o estudo:
“O Maranhão vem sofrendo ao longo dos anos um processo de invasão de empresários de fora, em sua maioria gaúchos, pernambucanos, cearenses, que têm adquirido terras no Maranhão, e seja pelo processo de compra ou de grilagem, tem se apossado do território. Eles estão derrubando as florestas nativas, em particular as matas do Cerrado e os babaçuais, para dar lugar à monocultura, principalmente da soja, além da presença muito forte da pecuária. Isso se dá num momento em que há flexibilização de leis. Eu destaco a Lei de Terras, que foi aprovada no ano passado e que eu chamo de Lei da Grilagem, porque vai possibilitar que as terras públicas sejam compradas por quem tem mais dinheiro.”
“Isso tem aumentado na esteira do projeto de desenvolvimento do Matopiba, aprovado ainda no governo Dilma, que incentivou o tipo de investimento que estamos vendo agora. Esse processo de olhar para o Maranhão como um lugar propício para o desenvolvimento do agronegócio é o que está fazendo com que o preço da terra esteja subindo desta forma.”
“O que isso significa em termos agroecológicos? Os plantios de monocultura têm tomado terras de povos tradicionais e usado agrotóxico para manter esta produção. Esses agrotóxicos têm prejudicado a produção da agricultura familiar que fica no entorno dessas monoculturas. Nós dizemos que no estado do Maranhão vivemos uma guerra, uma guerra que tem destruído as plantações. Todo esse processo de especulação já está afetando a produção de arroz, milho, mandioca e legumes. E com isso estamos preocupados com a possibilidade real de aumento da fome aqui no estado do Maranhão. Ou seja, esse processo de expropriação vai impactar na segurança alimentar no nível estadual.”