Pela primeira vez desde que anunciou seus objetivos para o clima, a China ficou seis meses, neste ano, sem permitir projetos siderúrgicos à base de carvão. A notícia ganhou destaques em todo o mundo. Afinal, é um passo importante, considerando que as siderúrgicas são as maiores poluidoras no país mais carbonizado do mundo para geração de energia.

Também entre chineses os veículos elétricos se tornaram um quarto de toda a frota, proporção bem maior que a americana, que tem um elétrico em cada 7 carros vendidos e a europeia, de um para oito. 

Em Fernando de Noronha, uma lei estadual não permite a entrada de automóveis movidos à combustão a partir de 2025. A ideia é permitir apenas o ingresso de carros elétricos na ilha paradisíaca, substituição que já vem acontecendo nos últimos anos.

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Mas por trás dessa aparência verde,  a verdade é que tanto na ilha brasileira quanto na China, a energia elétrica para abastecer esses carros limpos é produzida a partir de fontes bem sujas. O mesmo ocorre em alguns países e localidades europeus, mas o paradoxo acontece em escala menor.

Cerca de 90% da da produção de energia elétrica em Noronha é originária do óleo diesel, combustível pesado de média a intensa densidade em carbono. O percentual é totalmente destoante da matriz brasileira, onde a principal fonte é hídrica, limpíssima. O disparate em Fernando de Noronha acontece porque a ilha não é interligada ao sistema nacional,  por estar muito longe da costa.

Especialistas avaliam que o uso de um carro elétrico de porte pequeno em Noronha polui, no final das contas, mais que uma van abastecida (diretamente) com diesel, para título de cálculo de gases de efeito estufa.

“Não é um bom negócio usar carro elétrico para abastecer com energia vinda do diesel. É melhor usar o diesel direto”, afirma o especialista em energia da PUC-Rio, Edmar Almeida. O professor pondera que há um esforço para promover descarbonização em Fernando de Noronha. 

A deputada estadual Débora Almeida conseguiu a partir de seu projeto de lei o adiamento, em dois anos, da entrada exclusiva de carros elétricos na ilha, que era para ter ocorrido no ano passado.  

“Apenas 9% das emissões de gases de efeito estufa de Noronha provêm de carros. Sessenta por cento das emissões são provenientes da atividade aérea, e 30% dos geradores a diesel. Não faz sentido”, afirmou a deputada pernambucana.

Mais diesel na ilha paradisíaca?

Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética avalia que a substituição da frota por veículos elétricos “plug-in” contribuirá para elevar a demanda por energia da localidade, que pode resultar na necessidade de ampliar o parque gerador existente sem uma alternativa imediata. 

“Uma transição mal planejada para veículo elétrico poderia até aumentar as emissões de gases de efeito estufa na ilha, uma vez que levaria à necessidade de uma rápida expansão da energia elétrica por fontes não renováveis”, afirma a autora do PL que adiou o ingresso exclusivo de carro elétrico em Noronha.

A EPE analisou diversas tecnologias a fim de identificar as que possuem condições técnicas para a geração de energia elétrica que possa substituir o óleo diesel, sem prejudicar o meio ambiente, “uma vez que o Arquipélago de Fernando de Noronha é um Patrimônio Natural e precisa ser preservado”. 

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) Pedro Rodrigues destaca que este paradoxo acontece em outros lugares do mundo, sobretudo em capitais populosas que precisam de soluções para emitir menos gases de efeito estufa localmente. Carros exclusivamente elétricos podem poluir menos mesmo quando a fonte da energia elétrica não é limpa, mas isso vai depender de alguns fatores, segundo explica.  

A questão é que para gerar mais energia elétrica para mais carros elétricas, mais usinas movidas a carvão são ligadas na China, poluindo o ar das comunidades do entorno dessas usinas e gerando mais CO2 no mundo como um todo.

Descarbonização urbana na China

“O alvo nestes casos, de capitais asiáticas por exemplo, não é a redução da emissão global, do País, do mundo,  mas sim está na descarbonização para o indivíduo da cidade, do ar que ele respira”, explica.

Na China número um em carro elétrico, o paradoxo é ainda mais expressivo que em Fernando de Noronha. A principal fonte de energia que abastece seus carros elétricos é o carvão. O mineral é ainda mais poluente que derivados de petróleo. Cerca de 75% da matriz energética provêm de fósseis. 

Não à toa o país responde por um terço das emissões de gases de efeito estufa do mundo, metade da produção de carvão e 53% do consumo. É também a maior produtora de energia renovável, com 28% do total no planeta. Os dados fazem parte das análises estatísticas anuais da BP.

 Na Europa, afetada pelas sanções à Rússia, fornecedor de gás, o carvão também tem sido fonte crescente de energia. O mineral poluente tem sido alternativa em usinas térmicas de países como Alemanha. Nos Estados Unidos o uso de carvão como fonte de energia também aumentou no último ano, com a alta dos preços do gás natural

Soluções para a ilha

O estudo da EPE identificou que as tecnologias eólica e solar fotovoltaica, principalmente offshore, são as que parecem mais promissoras devido à disponibilidade de recurso, mas a limitação de área disponível na ilha e as questões ambientais podem trazer algumas dificuldades para essas tecnologias. 

Por outro lado, combustíveis líquidos para a geração de energia elétrica em termelétricas podem ser transportados do continente até a ilha, seguindo a mesma logística que hoje é utilizada pelo óleo diesel. 

“Nesse sentido, o etanol e o biodiesel parecem promissores, com destaque para o biodiesel devido a diversidade de insumos e de rotas tecnológicas que podem ser utilizadas para a sua produção”. 

Foi verificado ainda, a exemplo do que se observa em outros sistemas isolados, que o GNL pode ser uma alternativa para o atendimento a Fernando de Noronha, devendo para tanto ser observado questões relativas ao terminal de regaseificação, que requer cuidados com o meio ambiente.

Envolvidos na meta carbono zero

Além disso, sistema de armazenamento a bateria para aplicação centralizada também se mostrou uma alternativa viável, sendo capaz de atender a demanda de forma flexível, sem demandar muito espaço e com baixo impacto, podendo ser utilizada em conjunto com as renováveis com geração variável”. 

A geração de energia renovável é necessária para que o arquipelágo cumpra a meta de zerar a emissão de carbono até 2030, prevista pela sua administração, com aval e ciência de autoridades pernambucanas, representantes da Aneel e da concessionária de energia responsável por fornecer eletricidade à ilha.

Em sua página, o governo de Pernambuco afirma cita que a Neoenergia investiu mais de R$ 66 milhões em ações com foco sustentável na ilha e que a empresa se compromete a manter esforços na ampliação e adoção de tecnologias mais eficientes e menos intensivas na emissão de CO2.