Um dos maiores economistas do País, o coordenador de Índices de Preços da FGV, André Braz, vê o aumento de isenção do IR como desafio para a política monetária, mas avalia que é melhor ter estímulo para crescer com emprego do que manter inflação baixa e pessoas sem trabalho.
“Ou o governo gasta ou as famílias gastam. Se ninguém gasta, a gente tem uma inflação muito baixa mas pouco crescimento e desemprego. O que precisamos é gerar emprego e renda. O país não pode ficar estagnado mas para isso temos que conviver com um nível pouco maior de inflação”, afirmou Braz à Agência Nossa.
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Além disso, o especialista em inflação e política monetária concorda que o crescimento da inflação não vem exclusivamente do consumo – seja das famílias ou dos gastos do governo –, mas também por problemas de oferta decorrentes da crise climática. E de nada serve a política monetária contra tarifas de energia pressionadas por crise hídrica e alimentos em alta devido a secas prolongadas.
Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Fernando Haddad anunciaram o aumento de isenção do IR para trabalhadores com salários até R$ 5 mil, uma promessa de campanha. O mercado reagiu negativamente à notícia e ao pacote fiscal, também anunciado, com o dólar batendo perto dos R$ 6. Analistas de bancos criticaram a medida porque abre margem para aumento de consumo das famílias.
“Precisa haver equilíbrio, mas a prioridade na minha opinião é ver pessoas comendo; não faz sentido ter inflação baixa e na meta e pessoas sem emprego”, diz, ao ser indagado sobre sua opinião quanto aos impactos da medida anunciada pelo governo.
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Veja os principais trechos da entrevista a seguir:
Agência Nossa: Considerando que boa parte da alta de preços que enfrentamos vem por questões climáticas, portanto de oferta (tarifas de energia bem maiores e alimentos caros por falta de chuvas), não é exagero atribuir ao consumo o grande problema da inflação ?
André Braz: Não é tão exagero porque o gasto do governo gera inflação, mas não sou contra o gasto não porque a economia cresceu 3%, o desemprego está 6%. Isso acaba virando desafio porque apesar de melhorar a atividade, pressiona a demanda. Também é verdade o que você falou: estamos muito mais expostos a efeitos climáticos do que estávamos no passado, no Brasil e no mundo. E contra esses eventos a política monetária não tem o que fazer; isso também é um desafio. No entanto, temos sim pressão de demanda tanto pelo consumo do governo como das famílias, a população que estava desempregada passou a consumir.
A isenção de Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até R$ 5 mil te preocupa?
Temos que estar preparados porque isenção nesta faixa é consumo na veia. Melhora qualidade de vida; são muitas famílias nesta faixa de renda, portanto um desafio inflacionário maior. O rico já tem seu gasto estabelecido mas uma família de classe média vai gastar mais se tiver renda disponível (…) o consumo das familias também vai manter economia aquecida, então não vai ficar só na mão dos gastos do governo. E é desta forma que a economia cresce, que gera emprego e renda. E para cuidar dos impactos na inflação, a política monetária precisa gradualmente ir dosando juros até convergir a inflação no sentido da meta.
Qual sua opinião neste dilema?
Eu como economista não quero ver pessoas com fome e sem emprego. Quero economia pujante e não um pibinho de 1% e inflação na meta. Prefiro um PIB de 3%, 4% e inflação um pouquinho fora da meta ou no teto. A gente usa a política monetária para jogar a inflação pra meta. As pessoas estão comendo, crianças sendo educadas, o país crescendo. Olho isso com algum cuidado, olho buscando ver também melhora na qualidade de vida das famílias.
É o jeito Lula de governar …
Como a economia cresce? Ou o governo gasta ou as famílias gastam. Se ninguém gasta, a gente tem uma inflação muito baixa mas pouco crescimento e desemprego. O que precisamos é gerar emprego e renda. O país não pode ficar estagnado mas para isso temos que conviver com um nível pouco maior de inflação. E entender de onde vem a pressão inflacionária, saber que eventualmente tá fora da meta mas por um evento climáticos. Não é a todo custo que a gente vai colocar inflação na meta se não chove, se a safra foi afetada por seca prolongada. Isso não tem jeito, é preciso entender bem o fenômeno da inflação, e permitir alguma flexibilidade na política monetária. O motor da economia é o consumo, o dinheiro precisa circular; essa inflação na meta a todo custo é tão perigoso quanto permitir que ela escale. Não sou favorável à escalada da inflação porque ela tira poder aquisitivo, como se desse com uma mão e tirasse com a outra, então precisa haver equilíbrio. Mas a prioridade na minha opiniao é ver pessoas comendo. Não faz sentido ter inflação baixa e na meta e pessoas sem emprego, precisamos ter cuidado.