A disparada do dólar para além dos R$ 6 nos últimos dias, resultado do chororô do mercado após o anúncio de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil, ignorou algumas coisas importantes.

Primeiro, se o argumento é o aumento do gasto, não há argumento, porque a medida prevê compensação: aumento o imposto de quem recebe mais de R$ 50 mil mês. Zero a zero para os cofres públicos.

Segundo porque buscar distribuir renda no quinto país mais desigual do mundo é obrigação moral de quem senta nas cadeiras de poder.

Terceiro porque beneficia mais de 23 milhões de trabalhadores, que não estão na Faria Lima – mas existem. O estímulo fortalece a economia. E, como me disse o economista em política monetária, André Braz, coordenador de Preços da FGV, “melhor ter emprego do que inflação na meta”.

O quarto motivo já existia e ficou mais aparente agora, com a divulgação do PIB do terceiro trimestre, que veio acima das expectativas e deve encerrar na mesma faixa da China, atrás somente de Indonésia e México. O IBGE revisou para cima o crescimento do PIB, de 2,9% para 3,2%.

Quinto motivo ignorado pelo mercado, preocupado que a medida descontrole a inflação, é a origem da pressão inflacionária. Não é preciso ser especialista em política monetária para entender que a inflação vem sendo impactada por motivos além do consumo das famílias e do governo. Temos uma clara pressão na oferta causada pelas mudanças climáticas, seja nas tarifas de energia, seja nos preços dos alimentos.

Mesmo não precisando ser especialista em inflação para explicar isso, volto à entrevista com André Braz, uma das maiores autoridades no assunto:

“O país não pode ficar estagnado mas para isso temos que conviver com um nível pouco maior de inflação. E entender de onde vem a pressão inflacionária, saber que eventualmente tá fora da meta mas por eventos climáticos. Não é a todo custo que a gente vai colocar inflação na meta se não chove, se a safra foi afetada por seca prolongada. Isso não tem jeito, é preciso entender bem o fenômeno da inflação, e permitir alguma flexibilidade na política monetária”.

Voltando ao primeiro e ao segundo motivos, analistas de mercado e investidores falavam de um impacto da isenção do IR na semana passada como se não houvesse aumento da alíquota para faixas maiores de renda. Quem recebe a partir R$ 50 mil por mês (R$ 600 mil anuais) terá uma pequeno aumento de alíquota mínima, que cresce até chegar a 10% para quem tem renda superior a R$ 100 mil por mês, ou R$ 1,2 milhão por ano.

Um estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) sobre a medida calcula que a proposta será neutra do ponto de vista de arrecadação e positiva no que diz respeito à distribuição de renda.

Enquanto a nova isenção para quem recebe entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil na faixa de isenção do IR tem um potencial de beneficiar 23 milhões de pessoas, a alta da alíquota afeta cerca de 574 mil pessoas, que têm renda anual a partir de R$ 600 mil por ano.

“O ponto central da proposta é a distribuição de renda e progressividade tributária. Olhando sob esse aspecto, a proposta melhora as duas coisas, sobretudo pela apropriação maior da renda do 1% ou 0,1% mais rico”, ressalta, segundo o Valor, Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds, Reino Unidos, que assina o trabalho com João Pedro de Freitas Gomes e Guilherme Arthen.

Nenhum desses motivos convenceu o mercado nos últimos dias. Mas hoje um novo indicador se destacou e o dólar já recuou um pouco na manhã após a divulgação do PIB. Pelo menos por um breve período.

Os investimentos, que já vinham embalados e tem a maior alta continuada desde 2011, saltaram 10,8%no terceiro trimestre em relação ao anterior. A Formação Bruta de Capital Fixo, como são medidos nas Contas Nacionais do IBGE, cresce há quatro trimestres seguidos nesta comparação.

Quando a economia cresce ancorada em investimentos, evita o perigo da inflação de oferta de produtos e serviços. Vamos ver se isso ajuda a acalmar o câmbio daqui para frente, a conferir.

Sabrina Lorenzi é jornalista fundadora da Agência Nossa. O texto foi publicado na newsletter Volver! nesta data.