Com mais de 400 inscritos e 31 organizações da sociedade civil, a 2a Conferência Municipal de Meio Ambiente de Niterói expôs a necessidade de mudanças e avanços urgentes para que a cidade não “exploda de calor” como quase ocorreu nos últimos dias. A temperatura registrada no último final de semana foi a maior entre todos os municípios do País.
Propostas da sociedade civil, poder público e privado elaboradas na conferência passam pela revisão da Lei do Uso do Solo, da Prefeitura. Aprovada no ano passado, libera a construção de prédios ou aumento de gabarito em pelo menos 10 áreas com zonas de amortecimento do PESET, do PARNIT e áreas com indicação de preservação pelo Plano Municipal de Mata Atlântica de proteção ambiental ou zonas de amortecimento.
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“Precisamos rever a lei de uso do solo. Se vocês acham que está quente, preparem-se. Quem anda por Icaraí e Ingá, vendo as casas que podem ser transformadas em prédios pensará que nós não teremos como sobreviver. Esta cidade vai explodir de calor”, afirmou a presidente da Conferência, a urbanista Regina Bienenstein, na abertura do evento.
A conferência municipal faz parte de um movimento nacional, liderado pelo Ministério do Meio Ambiente, que objetiva ouvir a população brasileira para um novo Plano Clima, com estratégias nacionais de mitigação e adaptação. O Brasil pretende liderar esse debate no mundo, com compromissos alinhados ao limite de aumento da temperatura global em 1,5°C.
Na manhã deste sábado (25), após a abertura do evento na véspera, representantes da sociedade civil, do poder público e privado se dividiram em cinco grupos de acordo com o eixo temático de sua maior preferência, experiência, habilidade. Elaboraram as propostas, votaram entre si e depois em conjunto as ajustaram com alterações sugeridas por todos os presentes. No final da tarde, todas as 50 propostas para município e 10 para o estado já estavam finalizadas.
Em um dos cinco eixos definidos pelo governo federal, o primeiro, de mitigação e redução da emissão de gases de efeito estufa, tem entre suas propostas a alteração do zoneamento da lei de uso do solo em áreas de sobreposição com zonas de amortecimento dos parques PESET, PARNIT e áreas com indicação de preservação pelo Plano Municipal de Mata Atlântica.
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A nova legislação nº 3905/2024, que ficou conhecida como “lei dos espigões”, abriu caminho para a construção de prédio no Morro do Gragoatá, uma área que é classificada pela própria Prefeitura como sendo de alta prioridade para proteção ambiental. Trecho do Cafubá, arredores da lagoa de Itaipu e a pedreira de Charitas, também sensíveis, são algumas das áreas que passam a ser passíveis de edificações ou gabarito mais elevado a partir da nova lei.
Já o segundo eixo, sobre adaptação e preparação para desastres, propõe revisar a Lei de Uso do Solo para prevenir riscos, alterando o zoneamento em áreas alagáveis e exigindo contrapartidas em todos os empreendimentos imobiliários, como captação de águas pluviais e energia solar.
“Garantir o cumprimento das normas existentes, prioritariamente nos prédios públicos, promovendo acessibilidade, mobilidade e medidas obrigatórias para construções de qualquer porte, excluindo os empreendimentos de habitação de interesse social” também faz parte desta proposta.
A urbanista Cynthia Gorhan, do Instituto de Arquitetos do Brasil (Iab), destacou que “embora metade da cidade seja de mata, a outra metade segue sem controle do uso do solo pautando a expansão urbana em um município com uma série de carências graves como a falta de água, infraestrutura de saneamento básico que representa”.
Árvores personalizadas e pisos permeáveis contra o calor
Também previstas para Niterói não “explodir de calor” a elaboração ou implementação de um Plano de Arborização, ambos defendidos nos eixos 1, sobre mitigação, e 2, sobre adaptação. A primeira proposta defende que as árvores sejam “reconhecidas e personalizadas como sujeito de direito ativo necessário à garantia do direito fundamental constitucional à dignidade humana, dada a importância do equilíbrio ecológico e a necessidade de preservação”.
Na segunda proposta que defende a arborização, a ideia é priorizar a implementação e o debate de planos existentes ou em andamento, assegurando orçamento específico. A sociedade civil defende calçadas ecológicas, jardins de chuva, caixas de retenção e espécies adequadas para fortalecer a infraestrutura verde.
Veja as 50 propostas para a cidade e as 10 para o estado do RJ
Outra medida levantada pela sociedade preocupada com o aumento da temperatura que será encaminhada ao poder municipal é substituir pisos impermeáveis e escuros por materiais permeáveis e claros para amenizar altas temperaturas, priorizando bairros com ilhas de calor e alagamentos.
“As vias já pavimentadas deverão ser adaptadas gradualmente, com substituição de 5% ao ano, promovendo conforto térmico e melhor gestão das águas pluviais”, diz a prévia do documento.
37% das moradias de Niterói são precárias
Sobre Justiça Ambiental, o 3o eixo, Regina Bienenstein destacou que 37% das moradias de Niterói são precárias, apesar da cidade ser a mais rica do estado e exibir a quarta maior renda do País.
“Essa parcela da população é penalizada duplamente, é penalizada pela escassez, é penalizada pelos riscos ambientais e é penalizada porque não recebe atenção devida do poder público. Niterói não tem política habitacional. Tem plano de regularização fundiária que não é aplicado, fez plano de redução de risco que a gente não conseguiu discutir e não conseguiu saber o que está prevista, isso é que se trata justiça ambiental”
A próxima etapa deste movimento nacional será a conferência estadual, onde serão preparadas também propostas para o âmbito nacional, que visam compor o plano nacional do clima.
As demais propostas podem ser vistas aqui e nas próximas reportagens da Agência Nossa; acompanhe.