Na contramão do retrocesso no licenciamento ambiental, a Câmara dos Deputados aprovou nesta semana a projeto que cria a Lei do Mar, instituindo diretrizes para a gestão integrada dos ecossistemas costeiros e marinhos com foco na preservação ambiental e no desenvolvimento sustentável. Com 12 anos de tramitação na casa, o PL 6969/2013 enfrentou ao longo deste período resistências de setores como o da pesca industrial e da construção civil.

De autoria dos ex-deputados Sarney Filho e Alessandro Molon, o projeto de lei foi aprovado com substitutivo do relator, deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) e avança nas diretrizes para o Planejamento Espacial Marinho. O PEM é o instrumento que busca ordenar os usos do território marinho com base em critérios técnicos, ecológicos e sociais. O texto regulamenta, no âmbito da conservação dos oceanos e zonas costeiras, atividades como pesca, turismo, geração de energia e navegação.  

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A Lei do Mar, segundo uma fonte do Planalto que trabalha pela conservação do oceano, é fundamental para proteger as zonas marinhas da pesca predatória e de tentativas de uso dos terrenos de marinha pela iniciativa privada, uma brecha da PEC das Praias. Esta PEC assusta pela possibilidade de privatização de praias e ilhas a partir do momento em que seus acessos passam da Marinha para municípios, podendo estes gerirem como bem entendam. Com a Lei do Mar e o PEM, isso não será possível, explica a fonte.

A reação de parlamentares favoráveis à privatização de terrenos de marinha foi imediata.

O deputado Luiz Lima (Novo-RJ) que a proposta acaba restringindo a ação da iniciativa privada nas áreas costeiras. “Quando a gente se torna muito rigoroso, podemos acabar impedindo coisas positivas”, disse, ao citar a construção de hotéis e resorts que poderiam cuidar do meio ambiente e oferecer empregos.

A mesma crítica foi feita pelo deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), que classificou a proposta como uma “arapuca” para o setor produtivo. “Vem com nome bonito e boas intenções, mas traz processos burocráticos para que o mar fique amarrado e atrelado à burocracia”, declarou, segundo a Agência Câmara de Notícias.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou que a proposta parte de uma premissa errada contra qualquer atividade econômica viável. “O conceito parte do pressuposto que a atividade econômica pode atrapalhar o bioma marinho. O projeto vai causar impacto e restrição em inúmeras atividades”, disse.

Fernando de Noronha, ilha de belas praias protegidas, enfrenta turismo exacerbado. © Frederico Viana / WWF

Por outro lado, representantes da sociedade civil e de proteção do meio ambiente e dos oceanos comemoram a aprovação, assim como deputados(as) favoráveis à regulamentação.

“A aprovação da Lei do Mar na Câmara é um passo histórico para a proteção dos oceanos, das espécies marinhas e das comunidades que dependem diretamente deles para viver. O Brasil tem mais de 8 mil quilômetros de costa e uma biodiversidade marinha única, que precisa de uma legislação específica, moderna e efetiva”, destaca Clarissa Pressoti, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil. 

A especialista também avalia que a nova lei garante segurança jurídica, ordenamento e justiça ambiental, promovendo a gestão integrada dos usos do mar. “O Brasil tem uma dívida histórica com os oceanos, e essa aprovação representa um reconhecimento da importância desse território vivo para o enfrentamento da crise climática e para a soberania nacional. 

Clima 

O relator Túlio Gadêlha afirmou que o projeto tem importância fundamental para enfrentamento das mudanças climáticas e para ter segurança jurídica para quem pesca e quer exportar o pescado, que quer usar a energia dos mares e para fortalecer o turismo. “Diante de um cenário de desastres climáticos, proteger os oceanos e a biodiversidade e compreender que precisamos desenvolver as comunidades ribeirinhas de modo sustentável”, disse o relator.

Para viabilizar a votação, o relator desistiu de incluir na lei normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre áreas de preservação permanente (APPs) nas áreas costeiras.

Em versões anteriores, Gadêlha também havia retirado a proposta de criação do Fundo Mar com recursos de royalties do petróleo.

Durante o debate do tema em Plenário, a líder do Psol, deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), disse que o projeto aprovado vai dar origem a uma lei orientadora para cuidar do mar. “Cuidando do nosso mar, a gente cuida da nossa gente. E cuidando da nossa gente, a gente cuida do Brasil inteiro e do nosso futuro”, declarou.

Túlio Gadêlha, relator da proposta, destaca a importância da lei do mar para o clima. Fonte: Agência Câmara de Notícias

Veja as diretrizes estabelecidades pela Lei do Mar*

– prevenção, mitigação e reparação da poluição de todos os tipos e outras formas de degradação ambiental, tendo como base os efeitos cumulativos e a abordagem ecossistêmica;

– prevenção, mitigação e reparação dos impactos adversos das atividades de pesquisa científica, de exploração e de explotação dos recursos e do meio ambiente marinho, segundo definido pelo licenciamento ambiental;

– por meio de observância de normas da autoridade marítima (Comando da Marinha), a redução dos impactos adversos de tráfego nessas águas, incluída a invasão de espécies exóticas e o controle de água de lastro de navios;

– apoio a programas de consumo de pescado advindos da pesca sustentável por meio de rastreabilidade da origem do pescado;

– desenvolvimento de ações de combate à pesca ilegal, não declarada ou não regulamentada, eliminando subsídios que contribuam para a ocorrência dessa prática;

– adaptação da regulação de setores como mineração, pesca, energia e turismo às peculiaridades do meio ambiente marinho, em especial em ambientes sensíveis como corais, manguezais e ilhas.

*Com informações da Agência Câmara de Notícias