O presidente Lula vetou pontos críticos do PL da devastação, incluindo o mais sensível retrocesso: a possibilidade de uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio potencial poluidor e médio porte, conhecido como licenciamento automático ou autolicenciamento.
O governo federal também vetou itens que miravam a proteção de direitos de povos indígenas e quilombolas e o que retirava as responsabilidades de bancos e investidores sobre a proteção ambiental. E retirou o ainda artigo que acabava com o regime específico para Mata Atlântica, que já teve destruída mais de 75% de sua vegetação. Ao todo foram 63 vetos, entre 400 propostas.
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A frente ambientalista no Congresso e organizações de defesa do meio ambiente elogiaram os vetos, mas alertam para para pontos que ficaram e a ameaça de retorno de pontos relevantes do retrocesso originalmente aprovado, pois parte das propostas retornará aos parlamentares em forma de novo PL e medida provisória.
“O veto integral era essencial, mas os pontos vetados não deixam de ser um avanço, especialmente, em relação aos direitos de povos e comunidades tradicionais. Em 37 anos, menos de 60 comunidades quilombolas foram tituladas — um retrato da morosidade institucional. O veto de Lula é um gesto importante na luta contra o racismo ambiental e na defesa dos povos que ainda esperam vetado”, afirma a especialista de Justiça Climática Jessica Siviero, da organização ActionAid.
O presidente Lula assinou uma MP que confere eficácia imediata à Licença Ambiental Especial (LAE), conferindo procedimentos céleres para atividades e empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo. Além disso, a MP assegura pessoal dedicado para trabalhar nesses empreendimentos em prioridades sobre os demais.

Marina Silva participou ativamente do processo que culminou nos 63 vetos do presidente Lula ao PL da devastação. Foto: Rogério Cassimiro/ MMA
A ActionAid alerta para brechas de reversão às alterações, que podem seguir comprometendo a proteção dos biomas brasileiros e dos diversos povos e comunidades que neles residem. “A licença especial para empreendimentos e projetos considerados estratégicos foi vetada para retornar como medida provisória, com representantes do governo indicando que celeridade segue sendo prioridade. E a participação popular, onde fica nessa história?”, questiona Jessica Siviero.
“De forma propositiva, o governo enviará ao Congresso um novo projeto de lei, com urgência constitucional, propondo redações ajustadas para pontos essenciais. A medida permite realizar os ajustes necessários para evitar lacunas regulatórias e insegurança jurídica, ao mesmo tempo em que valoriza o esforço do parlamento em unificar normas dispersas em um marco regulatório único. Os vetos têm como fundamento o interesse público, a proteção constitucional do meio ambiente e o respeito ao sistema federativo de repartição de competências”, justifica o Ministério do Meio Ambiente (MMA).
A Proteção Animal Mundial lembra que os vetos a nova Lei 15.090/2025 quanto ao PL e a MP ainda deverão ser analisados pelo Congresso Nacional e por isso a sociedade deve se manter mobilizada para garantir que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado seja respeitado conforme preconiza a Constituição Federal.
O deputado Bacelar (PV-BA) disse que os vetos do presidente Lula ao projeto de lei que desmonta o licenciamento ambiental foram “acertos fundamentais”, mas alertou: o texto ainda carrega dispositivos inconstitucionais e representa risco real ao controle ambiental no país.
“O governo acertou ao vetar pontos críticos, como o autolicenciamento e a dispensa para obras potencialmente danosas. Mas o chamado PL da Devastação continua trazendo ameaças gravíssimas à legislação ambiental brasileira”, afirmou o parlamentar.
A ministra Marina Silva participou ativamente do processo para reduzir os efeitos negativos do PL aprovado pela Câmara e pelo Senado. A avaliação do Planalto é que o governo seria derrotado pelos congressistas se vetasse o PL na íntegra, então buscou meio termo: oferecendo a celeridade buscada pelos defensores das mudanças mas retirando as piores ameaças ao meio ambiente. Em coletiva para jornalistas, a equipe do MMA anunciou detalhes dos vetos, entre os quais 9 pontos importantes, a seguir:
1) Restrição da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de baixo potencial poluidor
O que foi feito: Vetada a ampliação para atividades de médio potencial poluidor.
Por quê? Evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada. O PL do Executivo, além de restringir a LAC para baixo potencial de impacto, acrescenta limites ao procedimento autodeclaratório.
2) Assegura que entes federativos respeitem padrões nacionais de critérios e procedimentos
O que foi feito: Vetados dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento — como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
Por quê? A medida evita uma descentralização que poderia estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos, em que a flexibilização de regras ambientais se tornaria moeda de troca para atração de investimentos com potencial de causar danos. O alinhamento nacional assegura previsibilidade para empreendedores, reduz disputas judiciais e mantém um padrão mínimo de proteção ambiental, garantindo segurança jurídica aos empreendimentos.
3) Preservação da Mata Atlântica
O que foi feito: Veto para impedir a retirada do regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica em relação à supressão de floresta nativa.
Por quê? A Mata Atlântica é um bioma reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal e já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente
4) Proteção dos direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas
O que foi feito: Foram vetados dispositivos que restringiam consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas.
Por quê? A limitação proposta no texto do PL aprovado deixaria de fora uma série de povos e territórios em fase de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares, contrariando a Constituição Federal. O novo PL assegura a participação de ambos, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social nas decisões que impactam diretamente modos de vida e territórios tradicionais. Assim, mantém o que está previsto no regramento federal específico.
5) Veto à dispensa de análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
O que foi feito: Vetada a proposta que dispensa o licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise pelos órgãos ambientais estaduais.
Por quê? A medida protege o meio ambiente, uma vez que somente serão dispensados do licenciamento os proprietários rurais que tiverem o CAR analisado.
6) Mantém as condicionantes ambientais e medidas compensatórias para impactos diretos e indiretos previsíveis
O que foi feito: Vetado dispositivo que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela implantação do empreendimento.
Por quê? A medida assegura que, sempre que houver nexo de causalidade entre o empreendimento e os impactos ambientais – diretos ou indiretos -, possam ser exigidas medidas adequadas de mitigação, compensação ou controle, preservando a efetividade do licenciamento ambiental. No PL do Executivo a ser enviado, fica garantida a adoção de medidas para reforçar temporariamente serviços públicos que venham a ser pressionados ou sobrecarregados de forma excepcional em razão da implementação do empreendimento.
7) Proteção às Unidades de Conservação
O que foi feito: Vetado artigo que retirava o caráter vinculante de manifestação de órgãos gestores de Unidades de Conservação no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento.
Por quê? A medida reforça a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente sensíveis, assegurando que os impactos sobre Unidades de Conservação sejam devidamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento pelos órgãos gestores responsáveis por essas áreas.
8) Manutenção da LAE com veto ao processo monofásico
O que foi feito: A criação da LAE (Licenciamento Ambiental Especial) constitui importante instrumento para modernização do processo de licenciamento. Contudo, foi vetado o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo.
Por quê? Porque o processo monofásico exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento, que é um dos primeiros passos do processo. Por outro lado, geraria insegurança jurídica passível de judicialização.
9) Manutenção da responsabilidade de instituições financeiras na concessão de crédito
O que foi feito: Foi vetado o dispositivo que enfraquecia a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados.
Por quê? A medida reforça a importância de que o crédito seja condicionado ao cumprimento da legislação ambiental, estimulando a prevenção de danos e alinhando o financiamento ao desenvolvimento sustentável. O PL do Executivo estabelece que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder crédito.
Com informações e texto do MMA