Vencedores do Nobel de Economia junto a outros economistas proeminentes lançaram nesta semana um alerta global intitulado “O Imperativo Econômico de Investir na Mídia de Interesse Público”. O documento aponta que o enfraquecimento das mídias de interesse público evoluirá, se nada for feito agora, para a morte do fornecimento de informações livres e confiáveis em todo o planeta.
A transferência das verbas publicitárias de veículos de comunicação para as big techs colocou em crise não somente o jornalismo, mas toda a sociedade, a democracia, o meio ambiente e – destaca a declaração de 20 páginas – a economia. Assinada por nomes como Joseph Stiglitz (Nobel de Economia de 2001) e Daron Acemoğlu (Nobel de Economia de 2024), a declaração compara o papel da mídia de interesse público ao dos bancos centrais, já que promovem um ambiente de confiança, incentivando investimentos e empregos.
“Sem uma mídia de interesse público independente e próspera, nem as economias nacionais nem os fluxos de comércio e capital entre elas podem funcionar eficazmente, impedindo, por sua vez, que a sociedade internacional enfrente os principais desafios econômicos, sociais e ambientais da atualidade, seja alcançando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, garantindo o crescimento e a prosperidade global equitativos, ou abordando a crise climática”, assinalam os economistas.
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O problema, dizem os autores, é que essa morte do fornecimento de informações livres e confiáveis ainda não está sendo vista como uma prioridade política. “Como um grupo de economistas líderes, acreditamos que essa falta de priorização política representa graves perigos para a existência de sociedades livres, abertas e justas e para o desempenho geral de nossa economia global”.
Ao menos 2.352 mídias jornalísticas desapareceram do Brasil nos últimos 10 anos. No período, 10.795 veículos, entre jornais, rádios, TVs e portais foram criados, enquanto 13.147 tiveram as atividades extintas, segundo levantamento do projeto Mais pelo Jornalismo (MPJ), criado para fornecer apoio tecnológico e outras formas de sustentabilidade a publishers no País.

Criada para mostrar os fatos e apontar soluções no que a humanidade falhou, a newsletter da Agência Nossa Volver! Volta que deu ruim! (logotipo acima) está sem apoio institucional, a exemplo de tantas iniciativas jornalísticas ameaçadas por falta de fomento ou publicidade no Brasil.
Representantes do governo federal, nos bastidores, já se manifestaram favoráveis à criação de um fundo de fomento ao jornalismo de interesse público. Há ainda algumas iniciativas de governos na região Sul, com legislação e projetos que incentiva a pulverização da publicidade em veículos de comunicação da região.
“Governos democráticos em particular têm a oportunidade de construir uma economia da informação adequada para o futuro. Nosso apelo a eles é para que aproveitem esta oportunidade agora — antes que seja tarde demais. Nosso apelo à sociedade civil e ao público em geral é que responsabilizem os governos pela forma como fazem isso”, afirmam os economistas que assinam o alerta global.
Entidades que representam veículos jornalísticos de variados tamanhos e tipos no Brasil defendem a criação de um fundo de fomento ao jornalismo.
O segmento de pequenos veículos, independentes, atravessa uma crise financeira sem precedentes agravada no governo de Donald Trump, que cortou subsídios de organizações filantrópicas americanas financiadoras de jornalismo no Brasil.
Fundo de jornalismo com recursos públicos para o Brasil e taxação das big techs
Para a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), a sustentabilidade do jornalismo é uma agenda multisetorial. Além do relevante papel dos governos federal, estaduais e municipais e do Poder Legislativo, a organização destaca a atuação da filantropia, que também é importante.
“Temos um diálogo constante com o governo, buscando sensibilizar os agentes públicos para a importância da construção de políticas públicas de fomento ao jornalismo e da transversalidade dessa agenda. A Ajor defende a criação de um fundo público de fomento ao jornalismo, com participação multisetorial e editais de financiamento que promovam a pluralidade e diversidade do jornalismo brasileiro”, afirma a diretora-executiva da Ajor, Maia Fortes, em resposta à Agência Nossa.
Já a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) defende a criação de uma Cide (Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico) incidente no faturamento das big techs para ser destinada a um fundo de apoio ao jornalismo.
“É a melhor regulação possível porque combate a desinformação e o discurso de ódio com a checagem, busca da verdade e pluralidade do jornalismo. As big tech produzem uma poluição social como efeito coletável de sua atividade. Então, nada mais justo que paguem ao menos uma parte do trabalho de despoluição”, avalia o presidente-executivo da ANJ, Marcelo Rech.
Ele lembra que alguns países de essência democrática, como o Canadá, estão estabelecendo políticas públicas de proteção e defesa do jornalismo como um de seus pilares fundamentais. Estímulos à contratação de jornalistas, por exemplo, são uma política de estímulo adotada no Canadá. “Desde que não signifique qualquer interferência em linhas editoriais, apoiar o jornalismo é uma tendência, de fato”.
Interferência editorial e necessidade de pulverizar a verba publicitária
A interferência editorial, aliás, é apontada como um dos efeitos da escassez de recursos em jornais de alcance local. O vice-presidente da Associação Nacional dos Jornais do Interior do Brasil, Carlos Alberto Balladas, relata que jornais do interior vivem, essencialmente, de verbas públicas das prefeituras dos municípios nos quais os jornais circulam, com anunciantes privados cada vez mais raros.
“E viver de verba pública significa ficar a mercê dos mandos e desmandos do poder político local; tornando o jornal um simples porta-voz do prefeito e de políticos locais”, dispara. Segundo Baladas, os jornais do interior do Brasil, pouco ou quase nada recebem apoio de instituições governamentais federais.
Assim como Balladas, Maia, da Ajor, também defende a pluralidade e a desconcentração dos recursos das verbas publicitárias.
“É necessário avançar para que haja o financiamento qualificado do jornalismo no Brasil, de forma que o ecossistema jornalístico do país seja cada vez mais plural,diverso, menos concentrado em determinadas regiões, e consiga de fato garantir o acesso democrático a informações confiáveis”.
A seguir, citamos trechos do documento O Imperativo Econômico de Investir na Mídia de Interesse Público em seus principais tópicos. A iniciativa dos economistas será debatida em um painel durante a Conferência Internacional de Alto Nível sobre Integridade da Informação, organizada pelo International Fund for Public Interest Media (IFPIM) e pelo Fórum para Informação e Democracia (FID), com apoio do governo francês e endossada por 56 países. O encontro faz parte das atividades do Fórum de Paris pela Paz, que acontece nos dias 29 e 30 de outubro.
Por que é urgente deter a morte do jornalismo de interesse público
- É o melhor antídoto que existe para combater a desinformação, que erode a qualidade do conhecimento público e a confiança nas instituições que distorce a tomada de decisões individuais e amplifica a polarização.
- Desempenham papel comparável a bancos centrais nas economias essencial para estabilidade econômica e para o crescimento ao fornecerem informação confiável aos agentes do mercado para que invistam com confiança
- Ao promoverem ambientes propícios aos investimentos, as mídias de interesse público contribuem para a geração de empregos dos países e regiões onde atuam
- Fornecem supervisão dos poderes político e econômico, com informações claras e isentas de interesse próprio sobre projetos e negócios
- Produzem informações independentes e isentas que limitam a polarização e o conflito dentro e entre as sociedades
- Estamos caminhando para o que a laureada com o Nobel Maria Ressa chamou de “um Armagedom da informação” sem que sequer um alarme seja disparado.
Soluções para reverter o declínio da mídia de interesse público
- “Achamos que é hora de o verdadeiro valor da mídia de interesse público ser reconhecido e que toda a gama de políticas econômicas que os governos têm à sua disposição seja usada para deter seu declínio”
- A solução passa por investimento urgentes em veículos que produzem jornalismo de interesse público, principalmente por governos tanto nas esferas nacionais e locais. A constituição de fundos de fomento e melhor direcionamento de verba publicitária são sugestões do documento, pleito comum a veículos independentes do mundo inteiro.
Motivos da crise das mídias de interesse público
- O modelo de receita de publicidade que sustentou a mídia livre e independente por décadas sempre apresentou desafios, incluindo a independência editorial. Mas na era digital, esse modelo entrou em colapso.
- Uma das principais razões para isso é a concorrência cada vez mais desleal dos gigantes da tecnologia e das plataformas digitais que eles controlam. O bem informacional que a mídia de interesse público fornece está sendo capturado para lucros privados por essas empresas, que são capazes de controlar ainda mais e cobrar aluguéis pela sua distribuição.
- O resultado é uma sociedade onde a tecnologia ameaça o ecossistema de informação em vez de apoiá-lo e onde as principais plataformas são incentivadas a priorizar informações que são lucrativas em vez de serem do interesse público.
Assinam o documento:
Joseph Stiglitz – Prêmio Nobel de Economia, Columbia University
Daron Acemoglu – Prêmio Nobel de Economia, MIT
Philippe Aghion – Collège de France
Tim Besley – London School of Economics
Francesca Bria – UCL Institute for Innovation and Public Purpose
Diane Coyle – University of Cambridge
Obiageli Ezekwesili – Human Capital Africa
Mariana Mazzucato – UCL Institute for Innovation and Public Purpose
Atif Mian – Princeton University
Andrea Prat – Columbia University
Vera Songwe – Liquidity and Sustainability Facility