Caro Larry,

Não nos conhecemos. Você certamente nem sabe que eu existo. Não tenho nenhuma esperança que um dia você lerá esta carta mas escrevo mesmo assim na forma de desabafo.

Escolhemos a mesma profissão. Considerando as métricas tradicionais de mercado, você é milhares de vezes mais bem sucedido do que eu: afinal, você lidera a maior gestora de recursos do planeta, e eu um fundo de ações brasileiro com patrimônio sob gestão que representa uma micro-fração do que a BlackRock administra.

Acompanho as cartas anuais que você escreve sobre propósito há tempos. Creio que a primeira deva ter sido em 2012 ou 2013. Mas foi somente a Carta aos CEOs de 2020 que o mundo parou para ler, como se aquela tivesse sido a primeira.

O nosso mercado, que em sua vasta maioria, tratava questões ambientais e de direitos humanos como ideológicas e antagônicas à sua agenda, chocou-se ao ler suas colocações naquela carta, onde continham trechos como “climate risk is investment risk“. Nada mais óbvio, mas dito por ti, ressoou diferente. Pararam para te ouvir.

Naquela mesma carta, você não só cobrava mais responsabilidade dos líderes empresariais como também foi categórico em assumir o compromisso sobre o desinvestimento em carvão, lançando então uma luz sobre a nocividade dos combustíveis fósseis. Também através daquela carta, a BlackRock assumiu o compromisso de colocar a questão climática no centro das decisões de investimento.

Os efeitos da tua carta foram tão fortes que uma enorme quantidade de pessoas com quem já conversei te consideram o “pai” ou “inventor” do ESG. Pois é, o mercado financeiro era tão distante da pauta que crê que ESG possa ter criador, além da ignorarem o fato de que a incorporação de sustentabilidade ou responsabilidade no âmbito dos investimentos data de muitas décadas antes mesmo de nós nascermos.

Mas é assim que ficou.

É notório reconhecer que a sua carta trouxe para o debate ESG atores que anteriormente o rejeitavam, inclusive interditando-o. É possível que se você não tivesse escrito aquela carta, muitos partícipes relevantes do mercado financeiro mundial seguiriam com uma postura omissa e negacionista. Sua carta foi fundamental.

Isto posto, é importante observar que a carta não pode ser vista como um ato isolado. A carta vem acompanhada de responsabilidade: se muitos começaram a considerar questões climáticas a partir da tua provocação, é preciso reconhecer o tamanho da responsabilidade que você carrega em seus atos e ditos a partir dela.

Neste contexto, o recente anúncio de que a BlackRock passará a votar CONTRA a agenda do clima nas assembléias corporativas neste ano por serem muito “radicais” é um verdadeiro tapa na cara.

Pior ainda é a explicação de que as propostas estão desalinhadas com os interesses financeiros dos seus clientes, conforme o excerto abaixo. A afirmação é surpreendente e desalinhada não só daquilo que você se comprometeu na carta de 2020, mas também antagônico ao que defendeu na carta de 2022 divulgada há poucos meses, onde parecia defender o capitalismo de stakeholders, que flagrantementeestão sendo desprezados neste recente posicionamento.

Com índices importados, ESG deixa de lado desmatamento, fome e corrupção no Brasil

Apesar de ESG ter se tornado a palavra da moda no mundo corporativo e financeiro, em nada avançamos na redução de emisões de gases de efeito estufa. Salvo um discreto recuo nas emissões de CO2 em 2020 por conta da pandemia, já voltamos ao trágico ritmo normal.

A percepção de que o mundo se tornou mais responsável e consciente em relação à questão climática é errônea e, portanto, o timing para a BlackRock recuar de seus compromissos climáticos não poderia ter sido pior.

Nesta semana, por exemplo, o jornal The Guardian trouxe uma matéria reveladora intitulada:As ‘bombas de carbono’ preparadas para desencadear um colapso climático catastrófico“, mostrando o tamanho dos investimentos que estão sendo feitos em combustíveis fósseis em projetos que representam 116 bilhões de barris de petróleo, sendo uma boa proporção em projetos de alto risco: uma verdadeira catástrofe climática em potencial.

Estes projetos, em conjunto, são responsáveis pela emissão de 646 Gigatons de CO2, suplantando o Global Carbon Budget e enterrando de vez as possibilitades de limitarmos o aquecimento do planeta em 1,5C.

A semana em que o ESG tomou de 7X1

Também nesta semana, a Bloomberg revelou que uma desprezível parcela dos acionistas dos grandes bancos estão alinhados com a responsabilidade climática e estão pouco ou nada preocupados com as externalidades causadas pelas empresas e projetos que estas instituições financiam.

Ou seja, no contexto em que as emissões de CO2 não param de subir, de um lado vemos as grandes petroleiras do planeta acelerando investimentos e, do outro, bancos naturalmente financiando tais projetos sob aval e aplauso dos seus acionistas.

A capitulação da BlackRock em um momento destes é um duro golpe na agenda climática, em uma batalha que você, espontaneamente, propôs-se a liderar.

Nesta semana, emblematicamente, a companhia petrolífera saudita Aramco tornou-se a companhia mais valiosa do planeta, suplantando a Apple. Em um ambiente em que muito se fala sobre redução de dependência de combustíveis fósseis, transição energética e taxação do carbono, ver uma petrolífera como a empresa com maior valor de mercado diz muito sobre a falta de efetividade das ações na mitigação do risco climático. Infelizmente, o mercado financeiro ainda estão distante da compreensão dos seus desafios e devastadores efeitos.

O recuo da BlackRock não poderia vir em pior hora. Da mesma forma que você criou uma onda positiva em relação à seriedade e responsabilidade da agenda, eventualmente criará uma onda negativa levando atores a recuarem de seus já parcos compromissos.

No último 10 de maio, organizações brasileiras enviaram uma Carta Aberta ao Presidente Joe Biden e ao Congresso Americano pedindo apoio ao Amazon21 Act, fundo de US$ 9 bilhões que está sendo discutido pelo Congresso dos EUA para combater o desmatamento em países em desenvolvimento.

A carta conta com várias assinaturas de entidades da sociedade civil e de empresas, entre as quais a minha, na esperança de podermos fazer o que esteja ao nosso alcance para superarmos este gigantesco risco para a vida em equilíbrio neste planeta e para a economia mundial.

A ciência deixa claro que não há mais tempo para procrastinação, hesitação ou lentidão.

Seria maravilhoso que reconsiderasse sua recente posição e voltasse a lutar com afinco e contundência em prol de uma causa tão relevante e urgente.

Atenciosamente,

Fabio Alperowitch

*gerente de portfólio da Fama Investimentos/ ESG

As informações contidas neste artigo não são de responsabilidade da Agência Nossa