O desmatamento no entorno da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) cresceu 122% entre 2020 e 2022. O pico coincide com o anúncio do governo Bolsonaro de que a rodovia seria asfaltada, informa o Observatório do Clima, em texto assinado por Claudio Angelo.
Dados do Inpe a pedido do Observatório do Clima mostram que a devastação numa faixa de 50 quilômetros no entorno da rodovia entrou em tendência de alta após 2014, acelerou após 2017 e explodiu entre 2020 e 2021: de 215 quilômetros quadrados, a área desmatada saltou para 453 quilômetros quadrados, uma alta de 110% em apenas um ano – a maior da série histórica iniciada em 2001. Em 2022 o desmate cresceu mais 6%.
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“Com o anúncio da pavimentação do trecho do meio e após a concessão da licença prévia, estamos assistindo a uma ação forte de tentativa de grilagem na região. Qualquer pessoa que se deslocar pela estrada vai ver placas vendendo terras localizadas em áreas públicas”, afirmou o novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. “O Ibama irá tomar medidas duras para conter esse processo”.
Especialistas ouvidos pelo OC também apontam correlação direta entre a explosão do desmatamento no entorno da BR em 2021 e a decisão do governo federal de levar a obra adiante – mesmo contra recomendações técnicas do órgão ambiental.
Em setembro de 2020, o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, do Republicanos disse que esperava ter toda a obra contratada até 2022. Na ocasião, Tarcísio estreou a tática de fatiar o asfaltamento para torná-lo fato consumado, começando por um trecho de 52 km conhecido como Lote C.
Em 2022, Tarcísio obteve do então presidente do Ibama, Eduardo Bim, a licença prévia para a porção mais ambientalmente sensível da obra, o chamado “trecho do meio”, de 405 quilômetros de extensão. O governo chama o asfaltamento de “reconstrução”, já que a 319 foi pavimentada por um breve período durante a ditadura militar – sem licenciamento ambiental – e depois engolida pela selva.
A licença prévia contrariou pareceres técnicos do próprio Ibama. Ainda em 2008, o Ministério do Meio Ambiente havia estabelecido uma série de “pré-condicionantes” para o licenciamento da BR-319. A mais importante delas era a instalação de 16 Unidades de Conservação, abrangendo os dois lados da estrada, o que não foi feito.
O governo Bolsonaro não criou nenhuma Unidade de Conservação em seu mandato, e a licença prévia da BR-319 sequer obriga a instalação de postos de fiscalização na área de construção. As obras de pavimentação da estrada começaram em novembro, antes mesmo da emissão da licença definitiva pelo Ibama. Sem surpresa, o Amazonas foi o único Estado a registrar alta no desmatamento em 2022.
Como é regra na Amazônia, o mero anúncio do asfaltamento pôs em marcha um surto especulativo na região, com uma corrida às terras. O mesmo já havia sido observado nos anos 1980 quando o governo anunciou a pavimentação da BR-364, em Rondônia – não havia medições anuais por satélite na época, mas o projeto causou o que provavelmente foi a perda mais acelerada de um ecossistema em qualquer momento da história da humanidade. Mais recentemente, em 2002, o anúncio da pavimentação da BR-163, entre Cuiabá e Santarém, fez a destruição crescer 500% em volta da rodovia.
“A mera perspectiva de uma obra de infraestrutura movimenta o mercado da grilagem e incentiva a ocupação, em busca de anistia futura. Essa é uma constante na história da Amazônia”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.