A Reforma da Previdência segue independente do destino político do País, avalia o secretário da pasta, Marcelo Caetano. O economista diz que não trabalha com a hipótese de o tema se perder em meio à crise política, pois acredita que é de extrema urgência para a economia brasileira. Mas, se demorar muito, afirma o economista, a reforma terá de ser mais forte para compensar o tempo perdido.
Em entrevista à Agência Nossa, realizada em dois momentos – antes e depois das denúncias contra o presidente Temer –, Caetano revelou que o governo incluiu no texto da reforma mecanismos para impedir a criação de novas renúncias previdenciárias. O fim de isenções previsto na reforma, no entanto, concorre com novos programas de parcelamento de dívidas que nas últimas semanas avançaram no Congresso.
Um dos principais autores da reforma, Caetano esclarece que trabalhadores rurais não inseridos no regime de agricultura familiar terão as mesmas regras que trabalhadores urbanos, tanto para idade mínima quanto para tempo de contribuição. Somente a transição será diferenciada, pelo texto atual da reforma.
Foto: Agência Brasil
Agência Nossa: Em que medida a crise política que paralisa o País neste momento afeta a Reforma da Previdência? Ela pode se perder em meio a um novo cenário, ficar para o próximo ano?
Marcelo Caetano: A reforma continua tal como sempre. O Congresso tem soberania tanto para definir o ritmo quanto o conteúdo do que fica na reforma. Eu estou trabalhando normalmente. Não estou trabalhando com essa possibilidade, de a reforma se perder. O que acontece é que se deixar para depois será mais forte lá na frente para poder compensar o que deixou de se fazer.
Por que a reforma é tão urgente?
A Reforma da Previdência é necessária porque o país passa por um processo de envelhecimento populacional que é muito acentuado. Hoje, o Brasil ainda é um país muito jovem, mas projeções demográficas do IBGE e da ONU indicam que, com o passar do tempo, o Brasil vai convergir demograficamente para o padrão demográfico europeu. É possível observar que, mesmo na Europa, que já fez várias reformas da Previdência, ainda se faz reformas previdenciárias. São casos de países que já passaram por um processo de reforma anterior e possuem um envelhecimento populacional acentuado. (…) Quando o assunto é Previdência, a gente tem que pensar de modo preventivo, não dá para esperar o problema acontecer para ajustar. Estamos fazendo uma transição de 20 anos entre a regra atual e a regra nova. Está-se fazendo uma reforma agora para evitar alterações mais abruptas no futuro.
Especialistas afirmam que medidas de aumento da arrecadação previdenciária são tão importantes quanto evitar explosão dos gastos devido ao envelhecimento da população. O que a reforma faz no sentido de aumentar a arrecadação?
A reforma procurou fazer alterações que evitassem criação de novos impostos, de novos tributos. E trabalha no sentido arrecadatório ao impedir a criação de novas renúncias. Particularmente existem dois pontos importantes relativos às renúncias. Primeiro quanto às exportações: quando há alguma contribuição que é substitutiva de folha, em vez de o patrão pagar sobre a folha de pagamento, recolhe sobre o faturamento, e o produto que é exportado não paga a contribuição previdenciária. Outro ponto que foi incluído no relatório é o impedimento de novas políticas de renúncias. Esse item, em particular, foi incluído no relatório, assim como o item que trata de acionistas controladores, administradores, gerentes, diretores, prefeitos têm responsabilidade solidária inclusive com respeito ao seu patrimônio pessoal em caso de não pagamento de contribuições sociais.
O fim da isenção a exportadores previsto na Reforma contribui com quanto para aumentar a receita da Previdência e, portanto, atenuar o déficit?
O fim das isenções estava na proposta original e permaneceu no relatório. O valor da renúncia para esse item foi da ordem de R$ 7,2 bilhões em 2016.
Por outro lado, o governo vai exigir cobrança individual a trabalhadores da agricultura familiar, o que, no contexto de subsistência que enfrenta a maioria das famílias, poderá levar à exclusão de muitos da cobertura previdenciária. Dizem que isso não aumentará a arrecadação e causará exclusão. Isso pode ser revisto, dado o profundo impacto social?
Não creio que vá levar a uma exclusão porque a contribuição vai ser favorecida. Existem vários tratamentos preferenciais em relação ao rural (da agricultura familiar). Primeiro, a idade mínima para aposentadoria do rural é mais baixa do que a do urbano. A idade mínima de aposentadoria do urbano será, na regra permanente, de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres. No rural (agricultor familiar), essa idade é de 60 anos para homens e 57 para mulheres. Também o tempo de contribuição é diferente entre urbano e rural. Se tomarmos um trabalhador rural (da agricultura familiar), que necessita de 15 anos de contribuição e, considerando uma alíquota correspondente à do MEI, ao longo de toda vida de trabalho contribuirá com o valor equivalente a 9 salários mínimos. E só no primeiro ano de aposentado, receberá 13 salários mínimos, contando com o 13º salário. É um benefício bastante subsidiado – e a intenção é manter o subsídio -, mas a proposta é criar um vínculo contributivo. Importante ressaltar que Previdência não é apenas aposentadoria. Tem salário-maternidade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente. Ou seja, tem uma cobertura de riscos que vai muito além da aposentadoria.
A cobrança individual especial para o trabalhador no campo (que exige 15 anos de contribuição em vez de 25 e estabelece idade mínima menor) se refere a qualquer trabalhador ou apenas aos da agricultura familiar?
A redução em 5 anos na idade do trabalhador rural (60 anos para homem e 57 anos para mulher) se aplica somente ao segurado especial, aquele que trabalha em regime de economia familiar, aos demais trabalhadores se aplicam a regra geral idade mínima de 65 anos, para homens, e 62 anos, para mulheres. O trabalhador rural terá a redução idade somente na regra transitória, conforme artigo 10 do relatório do substitutivo da PEC. Ou seja, na regra de transição todos os trabalhadores rurais estão inseridos. Ocorre que para o segurado especial, permanecerá 15 anos de contribuição e para os demais trabalhadores rurais, a carência vai subir até 25 anos.
O governo recuou em alguns pontos como a idade mínima da mulher, do agricultor familiar, do beneficiário do BPC, policiais, professores… O governo pensa ainda em modificar outros pontos devido à pressão da sociedade e de parlamentares?
Não chamaria de recuo. São negociações inerentes à política. A intenção do governo é manter a proposta tal como ficou aprovada no relatório da Comissão Especial. Mas temos que lembrar que vivemos em um ambiente democrático. Temos um parlamento forte e autônomo. Então não é o governo que vai definir. O que temos é uma emenda constitucional que exige um quórum qualificado de aprovação e o Congresso tem soberania para fazer os ajustes.
Se não houver reforma, o que acontecerá com a Previdência? Quantos anos mais seria possível pagar as aposentadorias sem mudança?
Temos observado, com o passar do tempo, um aumento do gasto da Previdência como proporção do PIB. O gasto do INSS, que hoje é da ordem de 8% do PIB saltará para 18% em 2060. No passado, o aumento crescente dos gastos previdenciários foi sustentado porque a carga tributária foi aumentando. Só que agora vemos que existem limites e a sociedade não suporta mais aumento na carga tributária. Sem aumentar a carga tributária, se não houver uma reforma, o governo será obrigado a reduzir gastos em outras áreas essenciais, como saúde, educação, segurança, para cobrir os gastos com a Previdência. Sem uma reforma, o Estado terá dificuldades em cumprir o que prometeu em termos previdenciários.
Esta entrevista também foi publicada pela Folha de São Paulo