Privatizar praias, punir mais a estuprada que o estuprador. E o que mais?

Faz algumas semanas que o Congresso retomou a PEC das praias, já aprovada na Câmara dos Deputados na surdina, no final do governo Bolsonaro. A proposta prevê a transferência de terrenos em área de Marinha para governos estaduais e municipais, com a possibilidade de os mesmos terem aval para vender as áreas para a iniciativa privada.

O criador da PEC, senador Flávio Bolsonaro, defende que isso não significa privatizar praias. Mas na prática, como a regra permite a venda de terrenos de acesso a praias, o que pode se esperar é sim a privatização, afirma todo mundo (menos o senador). O texto pegou mal e o Senado parece ter desistido de votar o assunto polêmico.

Mal tentaram votar a privatização das praias, outra bomba foi desarmada e teve uma repercussão ainda pior. O PL que prevê punição mais rígida para mulheres/meninas estupradas em caso de aborto do que a pena para estupradores. 

Uma pesquisa sobre PLs que podem vir à tona revelam outras bombas com potencial de destruição no Congresso. 

Avançam atualmente pelo menos 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs) que compõem um conjunto de propostas batizadas de Pacote da Destruição, mostra um levantamento do Observatório do Clima.

“Um novo Pacote da Destruição está nas casas legislativas, revigorado e muito mais dinâmico. Conta com propostas recém redigidas e com antigos projetos que ganham fôlego da noite para o dia e muitas vezes tramitando de maneira conclusiva nas comissões, atropelando o regimento e a interlocução com a sociedade civil”.

Os projetos são inacreditáveis, do que torna o licenciamento ambiental uma exceção ao invés de regra, dispensando qualquer estudo, aos que privatizam a água (sim, a água!) e as praias. Este último ganhou notoriedade ao ser desengavetado pelo Senado na semana passada.

Em um resumo do resumo do resumo, podemos dizer que há projetos e PECs para tudo: esvaziar o Ibama; engessar o Fundo Amazônia; anistiar desmatadores; beneficiar grileiros; incentivar a ocupação ilegal; permitir mineração em unidades de conservação; dificultar a criação de áreas de conservação; estimular a grilagem de terras; flexibilizar o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas – e principalmente a mineração.

Abro um parágrafo só para esta aberração: o PL 4546/2021, que Institui a política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos. Segundo  o Observatório do Clima, o PL deixa de tratar a água como bem público, desconsidera que o acesso a ela é direito humano. É considerado por integrantes dos comitês e organismos de bacias como o PL da privatização da água.

A cereja do bolo, a PEC 03/2022 retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha. O autor Flávio Bolsonaro diz que não privatiza praias, mas na prática terrenos de acesso a elas poderão ser comercializados, impedindo a livre circulação de pessoas.  Apesar de ilegal, vedar acesso e criar praias particulares já são alvo de anúncios no Airbnb. Se liberar, vai virar febre.

A propósito, a Câmara dos Deputados já aprovou o absurdo, em 2022, mesmo com desaprovação da área técnica do governo Bolsonaro. Segundo conta a Folha, até o pai do autor do PL desaprovou este projeto, ainda que indiretamente.

*Sabrina Lorenzi é jornalista, fundadora da Agência Nossa. Um trecho deste texto foi publicado na nossa newsletter Volver!, em sua última edição.