A adoção dos mercados de carbono como mecanismo de incentivo à mitigação das emissões de gases de efeito estufa não é consensual e foi criticada por alguns especialistas como primeira solução acordada na COP29, que começou nesta semana em Baku.

No primeiro dia da Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, os países chegaram a um acordo inicial sobre o mecanismo de crédito de carbono previsto no Acordo de Paris. O objetivo do acordo é criar um mercado voluntário – e multimilionário – governado pelas Nações Unidas, para vender e comprar créditos de carbono considerando as metas globais para a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Geraldo Alckmin participa da abertura da COP. Foto: Cadu Gomes/VP

A organização 350.org por exemplo considera que a compra e venda do direito de emitir os gases causadores das mudanças climáticas aprofunda problemas, ao invés de resolvê-los.

“É um sinal muito ruim abrir essa COP com a adoção de um artigo que legitima os mercados de carbono como uma solução para as mudanças climáticas. Eles não são uma solução – os mercados de carbono aumentarão as desigualdades, infringirão os direitos humanos e impedirão a ação climática de fato”, disse lan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e o Caribe.

Entre as críticas aos mercados de carbono, estão o temor de que estimulem os países a adotar metas climáticas menos ambiciosas do que as que realmente podem cumprir, justamente para que possam negociar as emissões “sobrantes” com os mais poluentes; e o risco de assédio de grandes corporações a povos originários e comunidades tradicionais, sobretudo em áreas de floresta, com alto potencial de abatimento de emissões.

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Segundo Zugman, o Artigo 6.4 não pode ser confundido com financiamento climático, o verdadeiro desafio da COP29. “A verdadeira vitória desta COP será garantir pelo menos 1 trilhão de dólares por ano em subsídios, não em empréstimos ou mecanismos de compensação que são uma desculpa velada para os maiores poluidores do mundo fingirem que estão pagando sua parte”, aponta.

A saída encontrada por Mukhtar Babayev, presidente da COP29, foi apresentar os princípios formulados pelo órgão supervisor encarregado de elaborar as regras para o mercado, nos termos do artigo 6.4 do Acordo de Paris – essencialmente, decidir o que será considerado como abatimento e remoção de carbono para a negociação. Outros tópicos relativos ao mercado ainda serão discutidos, como o Artigo 6.2, que trata dos acordos bilateriais entre países para o comércio de créditos de carbono.

A adoção em tempo recorde, no entanto, deixou países descontentes – como Tuvalu, que fez uma fala crítica na plenária – e preocupou especialistas.

“Dar início à COP29 com um acordo a portas fechadas baseado nas recomendações do órgão supervisor do artigo 6.4 estabelece um precedente frágil para transparência e governança”, apontou Isa Mulder, especialista em mercados globais de carbono da organização Carbon Market Watch.

Apesar de concordar com a crítica, Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, ressalta que o tema já havia sido discutido com os mais de 190 países em outras COPs e precisava avançar. “A situação de emergência climática é muito grande e precisamos de todo mundo no barco. Então, temos que avançar e entender que vamos aprender, inclusive, com os nossos erros. O que foi aprovado ontem já está muito melhor do que estava 10, 20 anos atrás”, comenta.

O especialista do WWF explica ainda que os princípios adotados referem-se a dois pontos: as atividades de remoção de carbono a serem contabilizadas e a metodologia a ser aplicada. “No caso da remoção, são considerações sobre monitoramento, formas de reporte, como contabilizar e a creditação do período”, descreve, avaliando como positiva a indicação dos princípios gerais para que o mecanismo possa avançar.

Ele aponta também que temas sensíveis como transparência, integridade ambiental e proteção dos direitos humanos no mercado estão adequados na proposta, e tendem a melhorar daqui pra frente. “Esse processo de implementação de mecanismo de mercado não termina aqui. A gente avançou muito. [O processo] fechou várias barreiras de coisas ruins que aconteceram nos últimos anos, relacionados a esses pontos de transparência, integridade ambiental e proteção dos direitos humanos com salvaguardas”, diz.

Informações de LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO, do Observatório do Clima, com edição da Agência Nossa