As mudanças na legislação trabalhista permitirão a quarteirização do trabalho, mecanismo pelo qual uma empresa grande contrata uma terceirizada, que por sua vez contrata outra ainda menor, na avaliação do juiz do trabalho Luiz Colussi.

Diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), ele alerta para a precarização das condições do trabalho com a liberação da terceirização sem limites que deverá ser consolidada pela Reforma Trabalhista, já que, como ele destaca com base em diversos estudos, estes empregados têm ganhos menores e trabalham mais.

O juiz critica o que chama de “uma série de dispositivos para dificultar ou impedir o acesso à Justiça do Trabalho” previstos na reforma.  A lei da terceirização tornou clara a responsabilidade das tomadoras de serviço para arcar com direitos trabalhistas, mas somente após se esgotarem as chances de cobrança de direitos da terceirizada.

O juiz do Trabalho Luiz Colussi cita desdobramentos da reforma

Mesmo que a nova lei que regulamenta a terceirização não tenha alterado diretamente as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é possível que mexa com os direitos previstos?

LUIZ COLUSSI: Tanto os empregados diretos da empresa quanto os terceirizados estão sob o abrigo da CLT. Mas o terceirizado acaba tendo uma condição inferior. O grande problema que temos apontado, e que não vai mudar, é que o trabalho terceirizado remunera menos do que o dito normal. As estatísticas apontam uma remuneração até 30% inferior. Por outro lado, é um trabalhador que trabalha mais. Ele chega a trabalhar 2,7 horas a mais do que os outros. Isso acaba acarretando um desgaste maior para esse trabalhador. Não é à toa que os terceirizados adoecem mais e sofrem mais acidentes de trabalho. De cada dez trabalhadores afastados do trabalho por conta de problemas de saúde ou acidentados, oito são de serviços terceirizados. É um número bem significativo. A empresa tomadora do serviço contrata a terceirizada e até cede seu estabelecimento e instalações, mas a terceirizada não tem o cuidado de propiciar um bom ambiente laboral. Aprovaram um texto ruim e mal escrito, que foi jogado no mesmo que rege as normas do trabalho temporário.

O fato de ser empregado oficialmente de uma terceirizada e de trabalhar efetivamente para a tomadora de serviços dificulta, na prática, a cobrança pelo cumprimento das normas trabalhistas?

Uma das críticas feitas por quem defende essas reformas recentes é justamente o grande número de processos que chegam à Justiça do Trabalho. São de fato mais de 3 milhões por ano. Mas em 40% desses processos se discute o pagamento de verbas rescisórias, grande maioria delas de empresas terceirizadas. Elas se constituem da noite para o dia, muitas são pequenas e sem patrimônio. No momento da cotação, essas prestadoras oferecem preços baixos para ganhar o contrato e acabam não cumprindo os direitos, como pagamento de horas extras, porque o valor não cobre todas as obrigações que tem que arcar junto ao empregado. Depois que acaba o contrato, não há outro imediato para recolocar os dispensados. Eles vão para a rua sem receber os direitos rescisórios. Isso acaba levando-os a buscar a Justiça. Em outros casos, o trabalhador é mantido mas vinculado a outra que assume o contrato, sem tirar férias e receber outros benefícios. Na Reforma Trabalhista há uma série de dispositivos para dificultar ou impedir o acesso à Justiça do Trabalho. Até mesmo obrigando-os a pagar as custas.

Uma questão ainda confusa é a possibilidade de terceirizar a atividade-fim. O próprio termo não está explícito na lei, que se refere a “serviços determinados e específicos”. Como funcionará essa questão na prática?

Há uma dubiedade. (…) (Mas) o relator, preocupado com a questão, colocou também a terceirização na Reforma Trabalhista. E a terceirização da atividade-fim foi incluída claramente no texto aprovado pela Câmara.

O fato de o trabalhador terceirizado não estar vinculado ao sindicato da sua categoria, mas ao da terceirizada é prejudicial a ele?

Com certeza. Havia uma proposta na discussão da Reforma Trabalhista para obrigar a representação sindical dos terceirizados ser a mesma de celetistas da empresa. Nesse caso, haveria uma negociação em igualdade de condições, se tentaria buscar um pagamento de salário igual ou semelhante. Mas isso não passou. (…) Sindicatos fortes também incluem cláusulas como participação nos lucros, plano de saúde, auxílio-creche, entre outros, e o terceirizado fica sem essas vantagens.

ABr

Quais são as conseqüências para os trabalhadores, com a criação da “quarteirização”?

A situação fica ainda mais precarizada. Uma empresa grande contrata uma terceirizada, que por sua vez contrata outra ainda menor. As possibilidades de desproteção do trabalhador ficam ainda maiores. A quarteirização era completamente rejeitada, mas agora a lei permitiu mais essa fragilidade.

As mudanças vão acarretar maior número de ações na Justiça?

Nós estamos convencidos na avaliação que fizemos da Lei da Terceirização de que vai haver um aumento significativo das reclamações trabalhistas, porque vai haver muito mais questões que dependerão da interpretação do juiz. Por outro lado, a Reforma Trabalhista tenta limitar o poder da Justiça do Trabalho. O relator tentou de todas as maneiras limitar o poder do juiz. O magistrado procura consolidar suas decisões, a partir da interpretação das leis e da Constituição. É próprio do nosso sistema. Temos a responsabilidade de solucionar um conflito e não somos uma Justiça homologatória. Quando tentam limitar a Justiça a uma função homologatória, estão a desvalorizando.

Edição de Sabrina Lorenzi