A categoria dos bancários demonstra bem o lado B da transformação digital. Se por um lado a digitalização gera empregos em áreas como TI e comunicação on-line, uma das grandes vítimas do fenômeno é a mão-de-obra dos bancos. Com fechamento das agências físicas e a substituição por agências digitais, a tendência para o setor é de mudança no perfil dos profissionais.
O Banco do Brasil anunciou logo nos primeiros dias do ano um plano de reestruturação com desligamento de 5 mil funcionários, com fechamento de agências físicas e prioridade no atendimento digital.
Mercado de trabalho aprofunda digitalização em 2021
Sofrendo há décadas com as transformações tecnológicas, os trabalhadores dos bancos não enxergam boas perspectivas para o futuro.
“Você tem aí a quinta onda de inovação bancária, altos investimentos em tecnologia e essa substituição do trabalhador tradicional por um trabalhador mais voltado às questões tecnológicas, o que muda completamente o perfil do bancário”, conta Fernando Amorim, sindicalista técnico do Dieese.
A situação não é novidade da pandemia. No comparativo das demissões de 2020 com as de 2019, o quadro não se alterou significativamente: “Acho importante que a gente faça esse tipo de análise porque tem a ver com algo maior, é anterior e não tem tanto a ver com a pandemia, vai continuar depois. É uma tendência que isso aconteça, infelizmente”. De atual, há a preocupação em relação às transformações promovidas pelo Pix.
Segundo Sérgio Amorim, dirigente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, o novo modelo de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central pode impactar ainda mais a empregabilidade do setor no curto prazo.
“Vai gerar muita demissão. Pode gerar em um primeiro momento contratação de gente para lidar com o sistema, para fazer a parte de tecnologia, de suporte, mas no médio prazo a gente teme que vá diminuir mais ainda a categoria”, analisa Sérgio.
De modo geral, as perspectivas para a economia em 2021 são incertas. De acordo com especialistas, os números poderão ser bons, mas serão feitos em comparação com o desempenho de 2020, o ano marcado pela crise generalizada. Gustavo Monteiro, economista DIEESE, concorda com essa avaliação, e complementa:
“A consequência disso para o mercado de trabalho é que com essa recuperação da economia, muita gente que perdeu o emprego e desistiu de procurar trabalho – os chamados “desalentados” – pense em voltar [a procurar]. Isso vai fazer com que o desemprego aumente e a recuperação, ao que tudo indica, não vai ser tão forte para conseguir absorver toda essa mão de obra que está fora do mercado hoje”
Pegos de surpresa
Assim que saiu a notícia do pacote do banco, Débora Fonseca, representante dos funcionários no Conselho Administração do banco (Caref), enviou uma carta ao presidente, André Brandão, reclamando que a definição do programa deveria ter sido avaliada pelo Conselho, “pois altera o planejamento estratégico da empresa, seu posicionamento no mercado e sua presença nas regiões e municípios brasileiros”.
Para o professor Rodrigo Carelli, a decisão dialoga com fenômenos atuais do mercado de trabalho: a financeirização e a substituição do emprego valorizado pelo desvalorizado. Segundo ele, o trabalho ora desempenhado pelos bancários será repassado para terceirizados com baixa qualificação e remuneração ou até mesmo para os consumidores.
“Pessoas no setor bancário, com boa remuneração por ter sindicato forte, perderão o emprego. Ou seja, é um movimento geral de precarização que tem o governo não somente como inativo e inoperante, como agente do processo”, avalia.