O governo Bolsonaro bateu recorde em liberação de agrotóxicos, com 1059 itens que tiveram aval para comercialização no Brasil desde o início do mandato, de acordo com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
“Destes produtos, 34% são ou contém ingredientes proibidos na União Europeia. Atrazina, fipronil, clopirifos, glufosinato de amônio, abamectina… a lista é enorme, e revela que o Brasil assume de fato a posição lixeira tóxica” afirma a advogada da organização Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, que também integra a Articulação Nacional de Agroecologia.
Dentre os produtos autorizados também há novos ingredientes ativos, como por exemplo o dinotefuram, o sulfoxaflor, piroxasulfone, tolfenpirade, tiencarbazona e a fenpirazamina. O sulfoxaflor pode exterminar polinizadores, o dinotefuram não é liberado na União Europeia e está sendo reavaliado nos EUA”, afirma o engenheiro Alan Tygel, um dos coordenadores da Campanha Permanente contra Agrotóxicos e Pela Vida.
A acelerada liberação de agrotóxicos começou há alguns anos, em governos anteriores, ganhou força no governo Temer e se tornou ainda mais veloz no mandado bolsonarista.
Questionada sobre a aprovação de defensivos que são proibidos em outros grandes produtores mundiais como a União Europeia (UE), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária alega que dos dez agrotóxicos mais comercializados no Brasil, os quais correspondem a cerca de 70% do volume de agrotóxicos comercializados no País, todos estão aprovados nos Estados Unidos e apenas dois deles não são aprovados na União Europeia.
Anvisa defende critérios usados para liberação
“A agricultura praticada na União Europeia, cujos países são de pequena estrutura fundiária e com o clima frio, é completamente distinta da realidade brasileira em termos de culturas cultivadas e, consequentemente, das pragas que provocam prejuízos nas lavouras. Nesse sentido, é importante ressaltar que a maioria dos ingredientes ativos que não estão registrados na UE, muitas vezes sequer foram solicitados pelas empresas, devido à ausência da cultura ou do patógeno no ecossistema brasileiro. Por outro lado, os registros solicitados no Brasil geralmente tem registros aprovados nos Estados Unidos da América (EUA) ou na Austrália, países que apresentam estrutura fundiária e de agricultura muito semelhantes às praticadas em nosso território”, informou a Anvisa em resposta aos questionamentos da Agência Nossa.
De acordo com a agência, o dicloreto de paraquate, não aprovado na UE e aprovado nos EUA, foi submetido a um processo de reavaliação toxicológica, finalizado no ano de 2017, com a edição da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 177.
A assessoria de imprensa da Anvisa afirma ainda que as alegações de que os critérios para avaliação dos agrotóxicos para fins de registro no Brasil são distintos de países da União Europeia e dos Estados Unidos não são verdadeiras. e que metodologia de análise utilizada pela Anvisa para a avaliação toxicológica de agrotóxicos está em consonância com as melhores práticas regulatórias internacionais. Defende também que várias medidas preventivas são adotadas em relação aos agrotóxicos a serem registrados no Brasil, por meio de avaliações de três órgãos diferentes.
“Diferentemente da maioria dos países em que o registro de agrotóxicos é realizado por apenas um órgão de Estado, no Brasil, de acordo com a Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989, o processo regulatório de produtos agrotóxicos é ato complexo que envolve o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Ministério do Meio Ambiente, na figura do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério da Saúde, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cada órgão atua analisando o pleito de registro em sua área de atuação, cabendo ao MAPA, como órgão registrante, a emissão do certificado de registro. Esta análise tripartite permite que os agrotóxicos registrados no Brasil sejam avaliados sob diferentes perspectivas, como as questões agronômicas, de saúde pública e do meio ambiente.”
A Anvisa explica que sua Gerência-Geral de Toxicologia é a responsável pela avaliação toxicológica de agrotóxicos, que envolve a avaliação dos aspectos toxicológicos, de risco à exposição ocupacional e dietética de agrotóxicos, com o propósito de avaliar e mitigar os riscos aos trabalhadores rurais e aos consumidores, respectivamente. O órgão também declara que os pesticidas são produtos com venda controlada.
“Além de todos os cuidados durante a realização dos registros no Brasil, é importante ressaltar que os agrotóxicos, após terem seus registros aprovados em nível federal e cadastrados em nível estadual, são produtos comercializados com venda controlada por meio da emissão de receituário agronômico por profissional qualificado. Este profissional deve avaliar a real necessidade da utilização desse insumo nas lavouras, de forma a controlar possíveis pragas que venham a apresentar potenciais danos econômicos devido a redução da produtividade de determinado produto agrícola, além de orientar o usuário sobre os cuidados necessários com os usos dos equipamentos de proteção individual (EPI).”
Segundo a Anvisa, os novos critérios para classificação toxicológica de agrotóxicos, estabelecidos na RDC n° 294, de 29 de julho de 2019, baseiam-se no Sistema de Classificação Globalmente Unificado (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals- GHS).
A agência explicou que o GHS, lançado em 1992, é um sistema acordado internacionalmente, criado pelas Nações Unidas (ONU), e desenhado para harmonizar as várias classificações e padrões de rotulagens usados em diferentes países, pelo uso de parâmetros consistentes em um nível global. Não tem caráter compulsório, mas considerando a adoção por vários países e a necessidade emergente de convergência regulatória, existe uma tendência de harmonização da classificação toxicológica e da implementação do GHS ou das categorias de classificação toxicológica dos produtos. O GHS pode ser usado para classificar um agrotóxico de acordo com uma vasta gama de riscos potenciais à saúde, que varia de toxicidade aguda a outros efeitos crônicos.
“Como mencionado, existe uma tendência de harmonização dos parâmetros de critérios de classificação toxicológica. Apesar de ainda não terem se adequado ao GHS (seus critérios de classificação foram determinados em lei), os EUA estabeleceram em 2012 uma fase de transição, com a inserção de símbolos e alertas de perigo oriundos do GHS. A Comunidade Europeia adotou o GHS em seu regulamento para classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e produtos, nestes incluídos os agrotóxicos, em 2008, com prazo até junho de 2017 para implementação completa. O Japão também baseou seus critérios de classificação e rotulagem no GHS. Anteriormente a classificação de agrotóxicos era determinada pela Portaria SNVS/MS n. 03, de 16 de janeiro de 1992, que ficou praticamente 3 décadas sem atualizações e alterações, apesar do avanço significativo no conhecimento acerca da avaliação e harmonização da classificação toxicológica. Portanto, aquele instrumento trazia parâmetros de classificação de perigo desatualizados em relação ao cenário regulatório internacional. A opção pelo GHS se deu, como exposto acima, em função de uma política de harmonização e convergência regulatória”, informa a assessoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.