Principal instrumento de controle de danos ambientais por projetos de infraestrutura, a exigência de licenciamento ambiental conta com defensores de diversos tipos de causas e movimentos por todo o País. A Agência Nossa ouviu a WWF-Brasil, que alerta para um aumento vertiginoso do desmatamento – principalmente na Amazônia e no Cerrado – como consequência direta do projeto de lei que flexibiliza e acaba com este mecanismo.
“O aumento do desmatamento tem diversas consequências, como a redução da fauna, a diminuição de chuvas em certas regiões, o aumento de enchentes em outras, o aumento da temperatura, enfim, a intensificação das mudanças climáticas e suas consequências sociais”, afirma o especialista em Políticas Públicas da WWF-Brasil, Rafael Giovanelli.
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A seguir a entrevista sobre o projeto de lei que permite o autolicenciamento, aprovado pela Câmara dos Deputados e que agora será objeto de audiência pública no Senado.
Agência Nossa: O atual governo teve influência na decisão dos deputados?
Rafael Giovanelli: Certamente. Inclusive, isso foi falado abertamente pelos parlamentares que trabalharam pela aprovação do texto. Havia forte interesse sobretudo do Ministério da Infraestrutura, mas não apenas. Quais seriam os maiores impactos do autolicenciamento, caso o PL seja sancionado?Na Bahia, se utiliza o chamado autolicenciamento, para alguns empreendimentos e atividades, como postos de combustível e transporte de produto perigoso. A experiência está sendo
trágica. De acordo com levantamento os realizados pela Associação dos Servidores de Meio Ambiente (ASCRA), 89% dos empreendimentos autolicenciados apresentavam pendências ou irregularidades, inclusive com grave potencial de dano ambiental e à saúde pública, como contaminação do lençol freático, descarte de produto perigoso no solo, queima de lixo a céu aberto. Da forma como PL trata o autolicenciamento, há um risco muito grande de que empreendimentos com impacto considerável sobre o meio ambiente e as pessoas passem a operar sem que sejam adotadas medidas adequadas de “proteção”.
Qual o posicionamento do WWF-Brasil sobre o PL 3729/2004 ?
O Congresso Nacional não deveria tratar desse assunto em meio a pandemia, quando a prioridade absoluta do Poder Público deveria ser a busca de soluções para a profunda crise humanitária que estamos vivendo. O texto aprovado pela Câmara não passou pelo crivo da opinião pública, nem de especialistas. É um texto inconsistente, que tem potencial de aumentar a insegurança jurídica e fragilizar as medidas de proteção do meio ambiente e das pessoas. O Brasil precisa de uma lei geral de licenciamento, mas esse PL não contribui para o
desenvolvimento do país.
A WWF-Brasil atua na Amazônia, no Pantanal, na Mata Atlântica e no Cerrado. É possível prever quais seriam as consequências do PL nessas áreas?
Pelas limitações que o PL impõe às medidas de “proteção” (as chamadas ‘condicionantes’), e também pelas limitações que o PL impõe a análise de impacto sobre áreas protegidas (como unidades de conservação e terras indígenas, que são as áreas mais preservadas do país), há um risco enorme de que a aprovação do PL tenha como consequência um aumento vertiginoso do desmatamento, principalmente na Amazônia e no Cerrado. E o aumento do desmatamento têm diversas consequências, como a redução da fauna, a diminuição de chuvas em certas regiões, o aumento de enchentes em outras, o aumento da temperatura, enfim, a
intensificação das mudanças climáticas e suas consequências sociais. Além disso, as grandes obras de infraestrutura alteram profundamente a dinâmica social das
regiões em que são implementadas. Se não houver planejamento, essas obras resultam em graves problemas, com o aumento da violência, saturação do sistema de saúde, insuficiência do sistema educacional, etc. O PL não prevê uma solução para isso e ainda retira as possibilidades de o Poder Público tentar buscar saídas pelo licenciamento. Pelas regras do PL, as próximas grandes obras de infraestrutura na Amazônia podem resultar em verdadeiro caos social.
Caso o PL seja aceito pelo Senado e sancionada pelo presidente, quais seriam os impactos ?
Os principais impactos seriam sobre o meio ambiente e as pessoas. O PL enfraquece a avaliação dos impactos ambientais dos empreendimentos e limita muito as medidas de “proteção” (as chamadas “condicionantes”) que poderiam ser estabelecidas pelo poder público. Por exemplo: a abertura e asfaltamento de rodovias são fatores dos mais relevantes para o aumento do desmatamento na Amazônia. Estudo liderado pelo IDESAM estima que se a BR 319, que liga Manaus a Porto Velho, for asfaltada sem a adoção de medidas apropriadas de “proteção”, haverá um desmatamento de 70 mil km2 em seu entorno até 2050. Isso é mais de duas vezes o tamanho do estado de Alagoas e equivale ao tamanho da Irlanda. De acordo com o PL, nenhuma medida para conter esse tipo de desmatamento poderá ser estabelecida pelo órgão ambiental no licenciamento de obras como essa. Em muitos casos, os impactos de grandes empreendimentos sobre terras indígenas, terras quilombolas e reservas extrativistas sequer serão analisados. Os danos serão gravíssimos.
Essa versão do Projeto de Lei é a mais rejeitada publicamente, e é a que recebe mais críticas. Mesmo assim, foi aprovada na Câmara.
Infelizmente, isso mostra o descompasso que existe entre a opinião de especialistas, de um lado, e os interesses que mandam na Câmara dos Deputados, de outro. É preciso enaltecer, no entanto, a atuação da Frente Parlamentar ambientalista, que fez todo o possível para evitar a aprovação desse PL.