Em meio às restrições impostas pela guerra entre Rússia e Ucrânia, exportadores e importadores brasileiros buscam mercados para realocarem produtos antes destinados à região ou adquiridos nos países conflagrados.
“O momento é de definir estratégias comerciais alternativas e redefinir mercados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, observando que, de um dia para outro, o setor de comércio exterior viu o cerco se fechar para seus negócios na região diante do confronto armado.
Neste rearranjo de mercados, a pesquisadora na área de macroeconomia do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), da Esalq/USP, Andreia Adami, que acompanha o comércio internacional agropecuário, aponta um risco de médio e longo prazo.
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“A Rússia, ao fortalecer suas relações com os chineses, deve escoar parte de seus cereais para o país asiático, competindo com o Brasil nesse mercado para alguns produtos”.
A China concentra quase um terço de todas as exportações do Brasil, sendo o principal comprador dos produtos brasileiros. No ano passado foram exportados US$ 88 bilhões, com destaques para minério de ferro, soja, carnes, açúcar, celulose.
“A Rússia investiu muito na produção de alimentos e de energia e deverá ter papel importante na complementação do abastecimento da China, país que é o maior importador de soja do Brasil e importante comprador de carnes brasileiras”, completa a pesquisadora.
Rodrigo Leão, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), diz que o estreitamento das relações China e Rússia já vem acontecendo há muito tempo, e envolve setores financeiro, de energia e militar, principalmente.
Ele lembra que a guerra na Ucrânia apenas evidencia essa aproximação, que tende a se aprofundar ao longo dos anos.
“São duas potências que estão se posicionando como contraponto dos EUA e diante de um ocidente cada vez mais enfraquecido”, destaca Leão, lembrando que as exportações russas para a Apec – associação dos países do Pacífico – saíram de 8% para um terço hoje, num período de apenas 15 anos, consolidando uma parceria comercial.
O pesquisador do Ineep não acredita, porém, que a Rússia venha a deslocar o Brasil como grande exportador de alimentos para os chineses.
Exportadores brasileiros temem calote da Rússia
“Estamos falando de duas potências produtoras de commodities industriais e militares, que vêm se complementando e estão disputando o eixo geopolítico global. O Brasil, que atua num segmento de commodities não tão estratégicas, tem um papel muito mais restrito nessa lógica. É como num jogo, em que o Brasil está jogando damas e China e Rússia jogando xadrez. São jogos completamente diferentes”, compara ele.
Por outro lado, os custos de produção vão subir, pondera a pesquisadora do Cepea. Mas ela observa que a alta nas cotações das commodities agrícolas deverá favorecer grandes exportadores de grãos como o Brasil. Lembra que Rússia e Ucrânia juntos respondem por cerca de 30% do comércio internacional de milho e trigo, e que, com a recuperação da safra brasileira de milho este ano, o país poderá aumentar suas exportações, ocupando algum espaço dos dois países em guerra.
Peso pesado na balança
Enquanto as exportações de produtos brasileiros para a Rússia mantiveram-se praticamente estacionadas há pelo menos três anos, as importações brasileiras de mercadorias russas, de US$ 5,7 bilhões em 2021, cresceram 107% no ano passado em relação à 2020.
Pressionado pelas compras de fertilizantes, o comércio bilateral amargou um déficit contra o Brasil de US$ 4,1 bilhões em 2021, valor 240% maior que o saldo negativo de US$ 1,2 bilhão registrado em 2020.