Pela primeira vez nas eleições do Brasil, candidatos puderam impulsionar postagens nas redes sociais. Num sinal de adesão rápida para aumentar a visualização de conteúdos no Facebook ou Instagram e aparecer entre os primeiros no Google, por exemplo, os políticos gastaram três vezes mais do que com propaganda impressa em jornais e revistas, segundo informações parciais declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Tudo indica que o grande vencedor das eleições em termos de gastos com publicidade será o Facebook. De acordo com as prestações de contas dos candidatos até 15 de outubro, a rede social de Mark Zuckerberg foi a empresa que recebeu, disparado, o maior valor entre os gastos declarados para divulgar campanhas eleitorais.

A nova regra que permite impulsionamento de conteúdo de candidatos consolida uma tendência que já vinha ocorrendo: a migração de verba publicitária dos veículos de comunicação tradicionais para os gigantes da internet. Anúncios pagos de candidatos continuam proibidos em sites, apesar da permissão do impulsionamento de conteúdo nesta eleição. E a propaganda impressa segue com limitações pela legislação vigente, o que propicia este resultado vitorioso para as redes sociais.

Levantamento da Agência Nossa com base nas prestações de contas parciais dos candidatos ao TSE mostra que despesas com impulsionamento de conteúdo somaram R$ 47,6 milhões, contra R$ 14,1 milhões da propaganda em jornais e revistas. Os números vão aumentar, pois o prazo final para prestar contas vence um mês após os gastos.

                                                                                                                                                                                                                                                         Foto: Divulgação

Fachada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (Foto: Divulgação)

Pelos dados declarados até o momento da pesquisa, o Facebook, que também controla o Instagram e WhatsApp, aparece com a maior verba declarada para publicidade. Os políticos declararam R$ 18,4 milhões em despesas para a  maior rede social do mundo, segundo as informações parciais. Como na prestação de contas os candidatos informam o nome da empresa que impulsionou o conteúdo ou a que fez o pagamento por este serviço – como o PayPal e outros intermediários financeiros, além de agências de comunicação – este valor na verdade tende a crescer. Ao Google, por sua vez, candidatos declararam ter pago R$ 4,6 milhões diretamente, segundo a apuração parcial.

São números maiores – muito maiores – que os alcançados por veículos tradicionais impressos. A empresa Folha da Manhã, que edita o jornal ‘Folha de S.Paulo’, informou à Agência Nossa que “neste ano, o valor das publicações eleitorais nos jornais da empresa Folha da Manhã S.A. é de R$ 572,8 mil”.

Os candidatos declararam ao TSE até o dia 15 de outubro que pagaram R$ 546,9 mil à Editora Globo, responsável pelo jornal “O Globo”. “O Estado de S.Paulo” recebeu por conta de anúncios eleitorais R$ 242,2 mil, segundo o mesmo levantamento preliminar. Procuradas, estas empresas não comentaram os dados até o fechamento desta reportagem.

A migração da verba de propaganda dos candidatos dos veículos impressos para as redes sociais é duramente criticada pelo diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira. Ele questiona os critérios utilizados pelo TSE, que não estipulou limites de valor para o impulsionamento, enquanto os veículos tradicionais continuam amarrados a algumas regras e não podem vender espaço publicitário em seus sites para campanhas.

“No caso do jornal há uma limitação de dez edições por candidato, uma verdadeira camisa de força. Por outro lado, para impulsionamento no Facebook e outras redes sociais não há absolutamente nenhuma restrição. O que vemos é que esses recursos estão indo para esse tipo de mídia, que é um território de informações falsas”, afirma Pedreira.

Desde 2009, a entidade atua como amicus curiae (“amigo da corte”, ou entidade que auxilia no processo) em ação direta de inconstitucionalidade movida pelo PDT no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando os termos da Lei das Eleições que limitam os anúncios de candidatos.

FAKE NEWS X JORNALISMO

A mudança nas regras favoreceu a migração da propaganda para as redes sociais por meio da Resolução do TSE 23.551/2017, publicada em dezembro último. Apesar de a Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) também versar sobre o tema, a cada pleito a Justiça Eleitoral redefine alguns pontos, adaptando as normas legais às transformações políticas e sociais. Apesar de liberar o impulsionamento para redes sociais, o Tribunal continuou proibindo propagandas políticas em sites e manteve as limitações aos anúncios impressos, o que agravou ainda mais a crise enfrentada por jornais e revistas.

Faz algum tempo que veículos de comunicação, sobretudo jornais e revistas, amargam a migração de sua receita publicitária para Facebook e Google. O setor passa por uma crise sem precedentes, com demissões em massa de jornalistas, fechamento de revistas e jornais. Em represália, alguns retiraram seus conteúdos do Facebook.

O hábito de leitura de brasileiros por meio de redes sociais em detrimento de matérias jornalísticas tem sido alvo de preocupação. Para especialistas, além do problema das fake news, esta tendência tem provocado polarização que ameaça valores democráticos. O Facebook, por sua vez, tem adotado medidas para tentar neutralizar notícias falsas, além de apoiar projetos de checagem de informações por jornalistas.

CAMPANHA MAIS BARATA

O TSE informou, por meio da assessoria de imprensa, que antes da edição da última resolução regulamentando a propaganda política foram realizadas quatro audiências públicas para se debater as regras eleitorais, sendo que uma delas (no dia 29 de novembro de 2017) tratou o tema específico da propaganda. O Tribunal também recebeu sugestões através de consulta pública até março deste ano.

Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RJ Eduardo Damian, as mudanças tiveram como objetivo tornar as campanhas mais baratas, tendo em vista que a propaganda na internet é considerada mais econômica do que a feita em material impresso. A possibilidade de impulsionamento direcionado para públicos específicos também tenderia a otimizar os recursos. Em tese, é uma movimentação que enfraqueceria o poder econômico e tornaria a concorrência mais democrática entre os candidatos.

“A internet ainda é um meio de comunicação novo. E como tal acabou sujeito inicialmente a uma restrição quase total. A legislação proibia qualquer tipo de propaganda paga na internet, até porque é difícil regular um território praticamente livre. Cada um só podia ter seu site, blog ou rede social. Agora para essa eleição avançou-se para o impulsionamento, mas pode ser que na próxima avance para o banner (anúncio). Eu sou particularmente contra esse último. Se estamos numa linha de baratear a propaganda política, não faz sentido estimular a propaganda em sites onde o custo é muito alto”, afirma o advogado.

Procuradas pela Agência Nossa, as assessorias de imprensa de Google e Facebook não comentaram o levantamento com base na prestação de contas ao TSE, até o fechamento desta reportagem.

“A declaração dos valores investidos em propagandas eleitorais é de responsabilidade dos candidatos e partidos, conforme prevê a legislação eleitoral”, respondeu o Google por meio da assessoria. A empresa informou ainda que desde 2016 adotou nova política de controle de seus anúncios e que não veicula os que “fazem declarações falsas, que contêm descrições enganosas ou que omitem informações sobre você (publisher), seu conteúdo e o objetivo principal da sua propriedade da Web”. E informou ainda que tem filtros para bloquear anúncios que remetam a site que violam suas normas.

Reportagem de Michel Alecrim; pauta e edição de Sabrina Lorenzi