Michel Temer deixa o governo exibindo pelo menos um recorde: a rapidez na execução de sua política liberalizante, pautada em mecanismos de privatização e transferência de projetos de infraestrutura à inciativa privada. Contou para isso com mudanças regulatórias, redução de intervenções e maior abertura ao capital estrangeiro.

Nunca um presidente da República contabilizou tantos leilões de concessão de infraestrutura em tão pouco tempo. Em pouco mais de dois anos e meio de existência, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), com poderes centralizados na Presidência da República, passou à iniciativa privada 123 projetos, de um pacote total de 193 ativos qualificados para venda nos setores de aeroportos, ferrovias, rodovias, terminais portuários, energia, petróleo e gás, entre outros. O valor dos investimentos gerados por concessões e privatizações na era Temer supera R$ 253 bilhões, segundo estimativas do PPI apuradas pela Agência Nossa.

A megacarteira de projetos será herdada pelo governo de Jair Bolsonaro, que terá no superministro Paulo Guedes a disposição de acelerar ainda mais privatizações e concessões.

“É o mundo acreditando no Brasil”, comemora o Secretário Especial do PPI, Adalberto Vasconcelos, satisfeito pelo programa ter atraído “investidores internacionais de alto nível”. Cerca de 50 empresas estrangeiras saíram vencedoras dos leilões, participando individualmente ou em consórcios com brasileiras.

 

                                                                                                                                                          Foto: Divulgação

Vasconcelos deve continuar no PPI durante a gestão de Bolsonaro. O futuro ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, já declarou que quer mantê-lo no cargo e fez elogios ao trabalho da equipe técnica do programa. O novo PPI ficará na estrutura da Secretaria de Governo.

A escolha do atual secretário de Coordenação de Projetos da Secretaria Especial do PPI, Tarcísio Gomes de Freitas, para o cargo de novo ministro da Infraestrutura, reforça o prestígio do programa de privatizações junto à gestão Bolsonaro.

O futuro governo promete focar em transportes, com mais leilões de aeroportos e rodovias. Alguns nos primeiros meses de 2019. As projeções do programa de privatizações para o próximo ano  foram atualizadas nos últimos dias de 2018, considerando que, nos primeiros 100 dias do próximo ano, mais 26 projetos serão concluídos, gerando  R$ 8,7 bilhões em investimentos.

Mas, apesar do fôlego privatista do governo Temer, o pacote de concessões frustrou promessas de estimular o crescimento da economia e ajudar a fechar as contas públicas com os recursos arrecadados.

“No início do ano, o governo e o mercado previam crescimento de 3% em 2018. Mas vai ficar em 1,3% ou 1,4%, depois de dois anos de recessão e um de estagnação. É um crescimento desalentador”, avalia Marcelo Miterhof, economista do BNDES, ressaltando que não fala em nome do banco.

“Um PIB frustrante, com crescimento de 1% em 2017 e não devendo superar 1,4% em 2018”, completa Fernando Ferrari Filho, professor na pós-graduação de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Concentração em petróleo e energia

Os números do PPI realizado até agora são eloquentes, mas fortemente concentrados em petróleo e gás e energia – principais símbolos da gestão liberal de Temer. Os dois setores, juntos, representaram 80,5% do volume total de projetos licitados e contratados até o momento, ou 96% dos investimentos globais estimados pelo PPI nos próximos anos.

Temer destravou o mercado de óleo e gás, viabilizando a retomada dos leilões do pré-sal, com o fim da exclusividade da Petrobras para exploração, flexibilização de regras de conteúdo local e definição de calendário de licitações. As empresas petrolíferas aplaudiram.

Em valores, conta Vasconcelos, a maior parte das concessões com contratos já assinados foi em óleo e gás, com investimentos previstos de R$ 176,8 bilhões, seguida por transmissão de energia (R$ 27,5 bilhões), geração (R$ 8,2 bilhões) e distribuição (R$ 6,8 bilhões).

Ainda no apagar das luzes do atual governo, a administração Temer realizou, nas últimas semanas de dezembro, seus últimos leilões. No dia 20, foram licitados 16 lotes de linhas de transmissão de energia, com investimentos estimados de R$ 13,2 bilhões para ao longo dos 30 anos de concessão. A disputa foi dominada por grandes empresas do setor de energia controladas por conglomerados internacionais.

Na última sexta, 28, o governo leiloou a Companhia Energética de Alagoas (Ceal), última das seis distribuidoras da Eletrobras colocadas à venda em 2018. A empresa vencedora, Equatorial Energia, foi a única a apresentar proposta e se comprometeu a fazer um aporte de R$ 545 milhões na distribuidora. A Equatorial já havia arrematado, em julho, a Companhia de Energia do Piauí (Cepisa), também em lance único.

Em demais setores, os resultados ficaram abaixo das metas previstas, deixando de fora projetos de rodovias e ferrovias, considerados “estruturantes” no jargão do governo, e que, nas estimativas originais, deveriam ocorrer até 2018.

Foram realizadas desde o início do programa de privatizações, em 2016, concessões de quatro aeroportos (investimentos estimados de R$ 6,6 bilhões) e 16 terminais portuários (R$ 2,3 bilhões em investimentos). Outros 12 aeroportos (no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste) tiveram previsão de leilão adiada para março de 2019.

No setor de rodovias, o primeiro e único leilão do governo Temer ocorreu em novembro, com a concessão da Rodovia de Integração do Sul (RIS), no Rio Grande do Sul, ao grupo CCR. A concessão da rodovia (BR 101/290/386/448) percorreu um longo caminho até ser concretizada. O projeto teve seus primeiros estudos em 2014, ainda no governo anterior, e foi um dos primeiros incluídos no PPI.

Para Henrique Pinto, ex-secretário de Articulação de Políticas Públicas do PPI, e atual conselheiro do grupo Infra 2030, criado pelo empresário Jorge Paulo Lemann, não surpreende a concentração dos leilões em óleo e gás e energia. “São setores mais organizados, que andam sozinhos. Não dependem tanto do PPI, mas, sim, de aspectos relevantes de regulação,de legislação, que permitiram destravar investimentos com um trabalho de articulação e interlocução política”.

Elogios ao programa

Na opinião de Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “embora as metas não tenham sido todas atingidas, a experiência do PPI é muito boa, com a criação de uma unidade de infraestrutura, com governança, voltada para viabilizar grandes projetos, complexos, e que exigem muito conhecimento técnico”.

Segundo Castelar, o pragmatismo mostrou que privatização e infraestrutura andam juntos.“Fernando Henrique fez, Lula fez, Temer continuou fazendo, tanto pela necessidade de recursos financeiros quanto pela dificuldade de o governo fazer obras e executar projetos”.

David Kupfer, professor do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade, observa que “mesmo em quadro de crise econômica, a coisa anda”. É demonstração cabal da demanda reprimida que se acumulou no país”. Mas observa, contudo, que há dificuldades para se distinguir o que são projetos realmente novos ou retomada de projetos que já estavam no pipeline, que foram interrompidos por motivos diversos.

“É o caso, por exemplo, das concessões das distribuidoras de energia, que estavam no pipeline há muito tempo, numa trajetória em curso”, destaca João Carlos Ferraz, ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos governos Lula e Dilma. Segundo ele, onde há regulação e institucionalidade mais organizadas, como nos casos de energia e petróleo, as coisas fluem melhor.

À exceção da Rodovia de Integração do Sul, projetos de rodovias e ferrovias não saíram do papel em 2018. Segundo o diretor geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Mário Rodrigues Jr, o próximo leilão de rodovias está previsto para o primeiro semestre do ano que vem.

Foco em transportes

O novo ministério da Infraestrutura terá foco no transporte e entre suas atribuições estarão os leilões de concessões de 12 terminais aeroportos, cujos editais foram aprovados em novembro passado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e de trecho da Ferrovia Norte Sul, com 1.537 quilômetros de extensão, que liga o município de Porto Nacional (TO) ao de Estrela D’Oeste (SP).

No caso das rodovias, há prioridades como as relicitações da Nova Dutra; da Rio -Teresópolis (CRT); da Rio – Juiz de Fora (Concer), cujas concessões atuais vencem em 2020 e 2021. Nesta lista também estão a BR-364/365, entre Goiás e Minas Gerais, e trecho da BR-153, entre Goiás e Tocantins, adquirido, em 2014, pelo Grupo Galvão, que perdeu a concessão por “inexecução contratual”. Todos esses projetos fazem parte da carteira do atual PPI.

Certo de que a carteira de projetos vai crescer, o BNDES reforçou sua estrutura de financiamento. O banco criou no início de outubro passado o Departamento de Concessões Rodoviárias (Decro). Até então, o setor de rodovias ficava dentro do departamento de logística, junto com demais modais.

Na corrida contra o tempo, o PPI pretendia entregar ao mercado, até o final de 2018, mais 35 projetos, entre estudos e leilões realizados. A meta ambiciosa não foi plenamente alcançada. Ficaram para 2019 projetos como Parceria Público- Privada (PPP) para a gestão de rede de comunicações do Comando da Aeronáutica; o leilão da Lotex ( Loteria Instantânea); a cessão de direitos minerários sobre jazidas de metais em Palmeirópolis, no Tocantins; a licitação de blocos de petróleo e gás (oferta permanente); arrendamentos de 10 terminais portuários, concessão do trecho da Norte-Sul, entre outros.

Edição de Sabrina Lorenzi