A pandemia de coronavírus, que já tirou a vida de 32 mil pessoas no Brasil até o começo de junho, escancara a falta de política industrial para segmentos vitais. A indústria já vem perdendo participação na economia brasileira há décadas.

E agora que os profissionais da saúde mais precisam de equipamentos de proteção; que os pacientes graves precisam de respiradores e todos os brasileiros precisam de máscaras, a Agência Nossa pergunta: vamos continuar totalmente dependentes de importações de produtos tão estratégicos, ou a pandemia nos ensina uma lição?

O assessor de assuntos estratégicos da Fiesp André Rebelo afirma que este cenário crítico na saúde colocou o Brasil cara a cara com seus principais problemas econômicos, entre os quais a ausência de um ambiente de negócios adequado para desenvolver a indústria.

Necessidade levou Brasil a produzir respiradores

“Acredito que após a pandemia muitas decisões para melhorar isso devem ser tomadas, mas isso não depende apenas das empresas. Temos graves problemas de tributação, burocracia, distorção cambial, o que nos incentivou por muitos anos a escolher produzir em países com custos melhores”.

O economista da Federação das Indústrias de São Paulo lembra que a importação elevada de produtos hospitalares é um fenômeno que vai além da esfera nacional; trata-se de uma situação mundial. O Brasil importou mais máscaras, equipamentos médicos, testes de covid-19, e foi muito notório que poucas nações no mundo tinham uma linha de produção forte para combater a doença.

Entre os principais produtos importados, se destacam máscaras, respiradores, testes de covid, pirômetros, óculos de segurança, carbopol (matéria prima para álcool gel), termômetros. E luvas de borracha (cirúrgicas e não cirúrgicas) além de luvas e vestuários feitos de plástico.
Em janeiro e fevereiro, o Brasil importava da China e Índia cerca de US$ 1 milhão em máscaras. Já durante a pandemia, o Brasil passou a importar quase US$ 68 milhões de unidades, na maioria em TNT (tecido não tecido).

O carbopol, matéria-prima para produção de álcool gel, não possui fabricação no Brasil. Antes da pandemia no Brasil começar, as importações do produto eram de US$ 213 mil e mais que dobraram para, US$ 578 mil em março e abril.

O especialista em comércio exterior  Kleber Fontes afirma que apesar da tentativa da indústria brasileira de produzir substitutos do carbopol, a dependência da importação continuou forte não apenas da China e sim dos EUA.

“Nossa indústria hospitalar está focada na China, que oferece condições mais vantajosas, as grandes empresas brasileiras podem até produzir em escala mundial, mas nada muda a curto prazo em relação a esta dependência do país asiático (…) O Brasil tem muitas empresas com força mundial, é o caso da 3M que faz máscaras no mundo inteiro. Então concordamos que o problema não é a 3M e sim o Brasil?”

Para Rebelo, o processo para criar uma política industrial passaria então pela criação de um ambiente de negócios melhor, com redução do custo Brasil, taxas de juros menores e tributação descomplicada.

“O Brasil não seguiu uma moda ao decidir importar mais, foi um raciocínio econômico para reduzir custos”, defende.

Durante a pandemia, por exemplo, parte da indústria têxtil se voltou para produção de máscaras. Rebelo, contudo, destaca que para esta produção continuar existindo após a pandemia será necessário um preço competitivo.
Outro grande empecilho no desenvolvimento da indústria como um todo seria o custo de crédito e o spread bancário elevado, a falta de concorrência no setor bancário. Empresários que decidem investir num novo setor encontram empecilhos como a dificuldade de obter capital, e a falta de acesso ao crédito privado.

“O BNDES auxilia algumas iniciativas, mas a saída mesmo seria ter acesso ao crédito privado com taxas menores”.

Na mesma linha, o presidente da entidade que representa o setor de máquinas e equipamentos disse à Agência Nossa antes da pandemia que são necessárias políticas que eliminem as ineficiências sistêmicas do país.

“E isto implica em crédito abundante com juros em patamares internacionais que lhe permita exportar, investir e gerir os seus negócios com competitividade. Precisa também de um sistema tributário simples que não onere seus investimentos produtivos e nem suas exportações, só assim o país conseguirá expandir e ampliar sua participação no cenário internacional”.

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“Este é um segmento com elevado poder multiplicador na economia e que hoje, infelizmente, conta com investimentos que mal cobrem o estoque de capital depreciado”, afirmou João Marchesan, por e-mail.

A pandemia interrompeu a recuperação da produção de máquinas e equipamentos, que no ano passado reagiu a um longo período de retração, com leve aumento de 0,4% segundo o IBGE.

Termômetro dos investimentos, este segmento reduziu em 41,3% a produção em abril, comparando-se ao volume do mesmo mês do ano passado.

Para o economista e professor do Ibmec-SP Walter Franco, a pandemia deixou claro que o Brasil precisa urgentemente começar a desenvolver substitutos nacionais.

“Com o câmbio alto, as importações se tornaram mais caras, o que abriu campo para o empreendedorismo nacional no setor. Mas, é um movimento momentâneo: que a indústria brasileira busque realmente outras formas de produzir nacionalmente a longo prazo, acho que é outra história”.

Além das dificuldades já citadas pela Fiesp, Franco destaca que para haver uma indústria nacional sólida seria necessário fortalecer o capital de giro, ter matéria prima e equipamentos de ponta, o que atualmente não são fatores facilitados pelo Estado.

Ele lembra que o cenário não é novo. A desindustrialização começou há décadas, no final dos anos 80.

“O Brasil abriu mão da capacidade industrial, pulou estágios e nos tornamos uma nação de serviços”, aponta o economista.

Enquanto outras economias nos Estados Unidos e na Europa passaram por um longo período de industrialização, o Brasil optou por não viver esta etapa, e não concentrou o PIB na indústria, se tornando uma nação de serviços.

“A responsabilidade pelo processo industrial foi delegada a outras nações como China e Índia. E a gente focou em exportação e agronegócio”, afirma Franco.

A participação da indústria no PIB encolheu mais da metade em menos de 20 anos, segundo dados do IBGE.

O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luis Carlos Prado também avalia que está na hora de o Brasil acordar para a necessidade de uma política industrial, sobretudo para segmentos fundamentais para a preservação de vidas como o de equipamentos hospitalares.

“Abandonamos tudo. Agora a crise abre espaço para se pensar no projeto de nação que queremos. Precisamos de política industrial”.

Segundo ele, o BNDES têm capacidade para auxiliar neste processo, com as câmaras setoriais. Procurado, o BNDES não respondeu ao e-mail sobre o assunto.

O especialista Roberto Dumas, do Insper e Ibmec, destaca as bases que levaram a China a crescer, com planejamento e investimento pesado em inovação.

Sem planejamento e em meio a uma crise política, o economista conclui que não há futuro para a indústria no Brasil, pelo menos não a curto prazo. “O Brasil precisaria pelo menos fazer um plano Made in Brasil 2030, nos moldes da China, com no mínimo 10 anos para sair deste problema. Mas, não temos nem um plano sequer para sair da pandemia. O governo federal briga com os estados ….”.