O empresário Davi Gaspri, dono da Nogueira Brinquedos, uma empresa com 24 anos de atuação localizada em São Paulo, enxergou na crise uma oportunidade para fabricar totens para álcool gel.

Quando a pandemia começou no Brasil, em março, a empresa de Davi estava capitalizada. Em abril a produção começou a ficar comprometida. Em maio seus clientes se recusavam a receber brinquedos, pois não tinham como vender. Com produção menor, o trabalho dos funcionários praticamente parou.

Foi quando Davi decidiu aproveitar o parque fabril que originalmente produzia brinquedos para produzir uma necessidade na pandemia. A produção é de 3.500 unidades mensais do produto que serve como suporte para colocar álcool gel especialmente em locais públicos. O item era basicamente importado, com iniciativas pouco competitivas de fabricação no Brasil.

Davi é praticamente um ativista por substituições de importações no Brasil, e durante a pandemia, este posicionamento ficou à flor de pele. Reconhece que produzir no Brasil é desafiador considerando tributos. Mas aponta outro problema crucial: a mentalidade de colegas empresários. A falta de uma política industrial também afeta o setor.

“Vejo muitos empresários (…) sem querer arriscar. Gastando caixa da empresa para enriquecer pessoalmente, pouco preocupados em investir”. Para ele, se a maioria dos empresários tivesse adquirido maquinário antes, hoje seria mais fácil se adaptar à pandemia.

Mas ao empresário Luiz Felipe Rayol Sola não faltou ousadia e agilidade para investir em uma reviravolta nos negócios. Da indústria cinematográfica, que ficou parada em razão da quarentena, ele migrou para o mercado de equipamentos de proteção individuais (EPI´s, na sigla). Em pouco tempo, comprou máquinas para produzir máscaras descartáveis e luvas.

O publicitário fornecia equipamentos para eventos e produções de filmes. Sem saber quanto tempo levará para a retomada de aglomerações e eventos, Sola decidiu mudar radicalmente de ramo.

Empresário de eventos migrou para produção máscara descartável

O resultado da empreitada tem sido positivo e ele quer continuar produzindo no período pós-pandemia. Mas o empresário teme fatores como financiamento.

“A falta de crédito e a ausência de investidores nos deixam inseguros”.

O especialista em inovação e negócios Arthur Igreja destaca que existem três cenários para as empresas que estão investindo no ramo hospitalar na pandemia. Segundo ele, empresas que foram bem-sucedidas podem começar a misturar sua produção após a pandemia entre produtos hospitalares e produtos tradicionais.

“Outras podem enxergar na saúde uma oportunidade e se tornar healthtechs, seguindo o exemplo da Philips, Siemens”.

Mas as empresas que não conseguirem desenvolver o negócio deverão abandonar a produção assim que pandemia passar, conclui.

Entre os principais desafios para quem quer se aventurar na indústria estariam: barreiras regulatórias e políticas que facilitam o lobby para produtos hospitalares, um ambiente inóspito para empreender no Brasil e fazer negócios.

“Vemos uma efervescência de vários empreendedores que optaram por fazer máscara e outros, motivados pelo câmbio alto que travou importações mas tudo depende do longo prazo, que a gente possa usufruir de investimentos necessários ao desenvolvimento da indústria”.

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O especialista em comércio exterior Kleber Fontes, do grupo Casco, que faz consultoria para empresas em importação e exportação, confirma que há um despertar da indústria para a produção luvas de plástico e de vestuários para hospitais. E diante da falta de óculos de segurança disponível para importar, o Brasil passou a fabricar produtos substitutos, os escudos de acrílico, conhecidos no mercado como faceshield.

Apesar dessa melhora no mercado interno, Fontes destaca que ainda há muitos desafios para tornar o Brasil competitivo. Entre os principais problemas ele destaca: a burocracia da Anvisa, o incentivo do governo a importações e a dependência extrema da matéria prima estrangeira.

“Para produzir uma máscara TNT, por exemplo, você precisa comprar o clipping nasal que é da China, o filtro na boca que também é asiático, então a dependência nunca acaba”, aponta.

Outro problema apontado pelo especialista é a lenta capacidade de reação das empresas brasileiras. “Quando a pandemia começou, os chineses enxergaram a oportunidade, e muitas empresas que nem eram do setor já estavam produzindo máscaras. O Brasil levou quase três meses para começar a fazer isso”.

Este ritmo, além do cenário incerto no Brasil para empreender, fazem do Brasil um país incerto para o desenvolvimento da indústria. “Olhando para os números do comércio exterior, é possível que as importações diminuam por causa da alta do dólar, contudo é apenas um movimento momentâneo que não se traduz em uma nova política industrial”.

Não dá para afirmar, por exemplo, que a indústria brasileira vai continuar produzindo respiradores.

A fabricante de motores WEG adaptou a linha de produção para produzir respiradores, tão necessários para pacientes graves de Covid-19. Os aparelhos estão em falta tanto nas redes privadas quanto públicas de hospitais face ao número de infectados pelo coronavírus.

Ao todo a WEG vai produzir neste momento 1.450 ventiladores pulmonares. “Se houver demanda adicional e componentes disponíveis no mercado a Companhia poderá estender a fabricação”

Os ventiladores pulmonares para UTI são equipamentos indicados no auxílio aos pacientes graves de COVID-19 que apresentem dificuldades respiratórias.