Dezenove vítimas humanas fatais; 1,4 milhão de pessoas impactadas; 675 quilômetros de rio comprometidos; 11 toneladas de peixes mortos; 860 hectares de mata atlântica degradada e 40 municípios atingidos junto com 1.551 hectares de solo por 44,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração.

O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco no município mineiro de Mariana completa cinco anos nesta semana sem reparação proporcional aos danos socioambientais, de acordo com avaliação de técnicos do Ministério Público Federal. Os procuradores relacionados ao caso questionam decisões judiciais e informações declaradas pelas empresas relacionadas ao acidente.

Vinte mil pessoas na mira das barragens da Vale

Já a mineradora e suas controladoras, por meio da Fundação Renova, elencam uma extensa lista de ações voltadas para reparar os efeitos do acidente, que inclui indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 321 mil pessoas; 1,6 mil obras e R$ 10,1 bilhões para as ações integradas de recuperação e compensação.

O procurador da República no Espírito Santo Paulo Trazzi afirma que muito pouco foi feito pela recuperação dos danos.

“Algumas plantas rasteiras foram plantadas em trechos das margens do rio doce, praticamente nada dos dejetos do rio foram retirados e a fundação Renova sempre espera que haja uma resiliência por parte da natureza”.

Ele contesta que a água do Rio Doce já tenha voltado a níveis de contaminação semelhantes ao período antes do desastre e afirma que durante os períodos de baixa do rio, o metal se sedimenta ao fundo, mas no período de cheias do Rio Doce esses sedimentos retornam para a superfície e ficam mais expostos, aumentando o nível de contaminação. Segundo ele, a Renova está comparando os períodos de baixo com os períodos de cheias anteriores”.

Criada pela Samarco e suas controladoras para resolver as questões relacionadas ao acidente, a Fundação Renova afirma que a água do Rio Doce pode ser consumida após passar por tratamento convencional em sistemas municipais de abastecimento. 

“É isso que indicam os mais de 3 milhões de dados gerados anualmente pelo maior sistema de monitoramento de cursos d’água do Brasil, criado pela Fundação Renova em 2017 para monitorar o rio Doce. São 92 pontos de monitoramento distribuídos no rio Doce e na zona costeira”.

Lama de rejeitos no Rio Doce causa desastre ambiental. Foto: Leonardo Merçon/ Instituto Últimos Refúgios

Além disso, segundo a fundação, foram recuperados 113 afluentes, pequenos rios que alimentam o alto do rio Doce. Esses afluentes praticamente desapareceram da paisagem após o rompimento da barragem de Fundão e, por isso, tiveram que ser totalmente redesenhados com base em informações de geoprocessamento.

De acordo com estudo encomendado pelo MPF e realizado pela consultoria Lactec, há dificuldade de se comparar os níveis atuais de contaminação da água com os níveis anteriores ao acidente porque as análises do Rio Doce eram feitas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM/MG) e pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA/ES), que encerrou suas atividades de monitoramento no Espírito Santo em agosto de 2016. 

Desde então, diz o diagnóstico, a Fundação Renova ficou responsável pela pesquisa com um contrato que garantia uma rede de pesquisa sobre o Rio Doce e municípios afetados por sua bacia com 27 instituições, inclusive universidades públicas federais. Recentemente, a Renova teria rompido o contrato com essas instituições e, por isso, as pesquisas na qualidade da água, interrompidas.

De acordo com diagnóstico presente no estudo, alguns dos prejuízos à qualidade da água significam o aumento das concentrações de sólidos, redução das concentrações de oxigênio dissolvidos na água e o aumento das concentrações de elementos potencialmente tóxicos (EPTs). Os danos afetam direta e indiretamente a fauna regional, com alteração da cadeia alimentar, na reprodução das espécies e, além de tudo, mortes de peixes que são fontes essenciais de alimentação e trabalho para as comunidades ribeirinhas. 

Trazzi ainda destacou que há uma ação civil tramitando sobre o litoral capixaba para a proibição da pesca por conta de contaminação. Foi destacado que boa parte das comunidades locais tem o costume cultural do consumo de peixe como proteína principal e, além disso, a pesca também é uma atividade crucial na renda de muitas famílias.

“Estamos falando de danos ambientais de magnitudes imensuráveis até hoje porque quando buscamos esse diagnóstico nos ainda temos dificuldade (…) os fatos nos mostram que nós temos pelo menos 675 km de rio doce e litoral contaminados gerando todo tipo de dano ambiental possível, desde o lençol freático até a dificuldade de reprodução da fauna local”, dispara.

Sem moradia até hoje

O procurador regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, também integrante da Força Tarefa Rio Doce, Helder Magno, destaca que muitas pessoas continuam fora de suas residências, desde o acidente. Das 542 famílias que possuem direito de reassentamento, segundo ele, apenas 9 foram reassentadas até junho deste ano.

O Procurador da República e integrante da força-tarefa do Rio Doce, Edilson Vitorelli,as vítimas estão atualmente dispostas a aceitar valores muito menores e irrisórios do que seria justo. “Nós estamos querendo uma reparação justa e uma reparação justa é uma reparação integral”, ressalta, destacando ação que pede R$ 155 bilhões em indenizações. 

“Se o rio não voltou à vida, a vida das pessoas também não voltou ao normal. E esse processo só serve às empresas que vão se livrar e para os advogados que estão ganhando dinheiro com esse a reparação, e esse dinheiro está sendo tirado dos atingidos”, afirma o promotor de justiça de Minas Gerais e membro da Força Tarefa do Rio Doce e de Brumadinho, André Sperling. 

De acordo com o Defensor Público Estadual no Espírito Santo, Rafael Portella, em cinco anos 12.430 famílias foram indenizadas. Pelo diagnóstico dos danos socioambientais produzido pela Lactec, são mais de 1,4 milhões de pessoas impactadas pelo desastre. 

Propaganda?

A coordenadora da Força Tarefa no Rio Doce, Silmara Goulart, afirmou que as empresas apresentaram informações não comprovadas. Segundo ela, várias informações que foram apresentadas não correspondem ao total do cenário e das pesquisas que foram feitas nesses cinco anos e tiveram um compromisso maior em autopromover a imagem das empresas que são mantenedoras da renova em vez de informar os atingidos.

“Acabamos de enviar para as empresas uma recomendação tratando sobre os pontos de cada propaganda e recomendando medidas de reajustes e retirada dessas propagandas e maior compromisso de informação com esses atingidos”.

Em resposta a questionamento da Agência Nossa sobre os pontos abordados pelo MPF em coletiva sobre o tema, a Vale respondeu que “como acionista da Samarco, reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, prestando todo o suporte à Fundação Renova, responsável por executar os programas de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas. Esses programas receberam, até agora, mais de R$ 10 bilhões”. A Vale informa ainda que observa os procedimentos legais e respeita todos os acordos firmados entre as Partes, no curso do Processo Judicial.

Já a Fundação Renova enviou a seguinte nota:

Nota da Renova

“A Fundação Renova é a entidade responsável pela mobilização e execução da reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, trabalho realizado com a colaboração de cerca de 6.000 pessoas e parcerias com dezenas de universidades e instituições em inúmeras frentes de atuação. Até setembro de 2020, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações integradas de recuperação e compensação. Até 31 de agosto de 2020, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 321 mil pessoas. Em agosto, começaram a ser pagas indenizações para os casos de difícil comprovação por meio de uma plataforma on-line que atende categorias informais. 
 
Mais de 1.600 obras foram executadas ao longo de todo o território atingido. O projeto dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana (MG), envolve a construção de cidades inteiras e ganha forma nas primeiras casas sendo concluídas, nas ruas pavimentadas, bens coletivos em etapa final, vias iluminadas e obras de infraestrutura avançadas. As obras foram adaptadas ao cenário da COVID-19. Cerca de 470 famílias participam ativamente do processo. 
 
Ações ambientais – A água do rio Doce pode ser consumida após passar por tratamento convencional em sistemas municipais de abastecimento. É isso que indicam os mais de 3 milhões de dados gerados anualmente pelo maior sistema de monitoramento de cursos d’água do Brasil, criado pela Fundação Renova em 2017 para monitorar o rio Doce. São 92 pontos de monitoramento distribuídos no rio Doce e na zona costeira. 
Além disso, foram recuperados 113 afluentes, pequenos rios que alimentam o alto do rio Doce. Esses afluentes praticamente desapareceram da paisagem após o rompimento da barragem de Fundão e, por isso, tiveram que ser totalmente redesenhados com base em informações de geoprocessamento. 
 
A Fundação Renova atua de forma integrada para a revitalização ambiental, unindo ações para proteção de nascentes, recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de recarga hídrica. O objetivo do programa é recuperar 40 mil hectares de Mata Atlântica e 5 mil nascentes na bacia do rio Doce. Cerca de 1.500 nascentes estão com o processo de recuperação iniciado. Até o momento, as ações de restauração florestal alcançam 1.355 hectares em Minas Gerais e no Espírito Santo, uma área equivalente a 1.300 campos de futebol. As 1 milhão mudas que são utilizadas no projeto foram produzidas em viveiros localizados na própria região. No total serão investidos R$ 1,2 bilhão no projeto. 
 
A Fundação também disponibilizou R$ 600 milhões para projetos de saneamento para os 39 municípios impactados. Ao longo da bacia do rio Doce, 80% do esgoto doméstico segue para os rios sem tratamento, e grande parte do resíduo sólido coletado vai para os lixões. Os recursos começaram a ser liberados em abril de 2019.

Em 2020, a Fundação iniciou um repasse de R$ 830 milhões aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e prefeituras da Bacia do Rio Doce, para investimentos em infraestrutura, saúde e educação. Esses recursos promoverão a reestruturação de mais de 150 quilômetros de estradas, de cerca de 900 escolas em 39 municípios e do Hospital Regional de Governador Valadares (MG), além de possibilitar a implantação do Distrito Industrial de Rio Doce (MG)”.

Reportagem e texto de Brenda França; coordenação e edição de Sabrina Lorenzi