“Fim do auxílio emergencial é crime. Estamos dentro da favela. Vai bater desespero no morador desempregado. Desempregado não por ser vagabundo, mas por não encontrar trabalho. Essa dívida social é do Estado brasileiro, e só pode ser suprida por ele. Iremos às ruas protestar”.

O post no Instagram do pastor Antonio Carlos Costa, presidente da organização Rio de Paz, é um dos vários avisos e apelos que especialistas têm dado sobre a iminente explosão da pobreza e do desemprego em 2021.

Faltando três semanas para dezembro acabar, o orçamento do próximo ano ainda não foi definido no Congresso e cresce a pressão para que o governo prorrogue o estado de calamidade. A nova onda de alta dos casos e mortes por Covid ameaça não apenas a vida dos brasileiros, mas a sobrevivência de pelo quase 10 milhões que dependem exclusivamente do auxílio emergencial. 

Foto: Rio de Paz

Medidas excepcionais como o auxílio emergencial e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda foram fundamentais em 2020 para conter os danos causados pela pandemia, mas têm prazo para acabar no último dia do mês.  

Com os números de casos e mortes pela Covid-19 novamente em alta no Brasil, o governo federal está com a corda no pescoço: de um lado o ministro da economia Paulo Guedes puxando para a retomada da política de austeridade, considerando  a questão fiscal do País, que não é nada boa. De outro, a ameaça de explosão da pobreza e do desemprego, 

Em meio a especulações sobre a prorrogação do auxílio emergencial, ou a ampliação do Bolsa Família, alternativa antes levantada pelo governo para lidar com a crise, o Ministério da Economia disse à reportagem que não se pronunciaria “sobre esses assuntos”. 

Fim traumático

“Não foi criado para a transição nada em termos de política social. A redução vai ser muito radical, de metade do valor para zero, assim como foi de agosto para setembro, que passou de R$600 pra R$300”, analisa Daniel Duque, pesquisador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Segundo dados do Ministério da Cidadania contabilizados até novembro, pouco mais de 68 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial, o que representa quase um terço da população toda. De acordo com a pesquisa PNAD Covid, do IBGE, cerca de 3 milhões de domicílios brasileiros sobreviveram apenas com os rendimentos recebidos do auxílio emergencial em outubro.

É o caso de Luccy Lopes, pernambucana de 32 anos, moradora da cidade de Goiana, no extremo norte da região metropolitana do estado. Desempregada há 5 anos, Luccy trabalhava como vendedora ambulante no metrô de Recife até março. Com a pandemia e o fechamento temporário do metrô, ela se viu obrigada a se afastar do trabalho, dependendo apenas da renda do auxílio emergencial.  

Desemprego dispara no Rio e se torna o quarto maior do País

Com o fim do benefício se aproximando, Luccy começa a pensar nas alternativas para o próximo ano: “Quando não tiver mais eu vou voltar a trabalhar como vendedora ambulante, porque a gente tem que sobreviver de alguma forma né”, diz, a despeito do risco de contágio acelerado e da lotação dos hospitais por novos casos de coronavírus.

A proporção de domicílios exclusivamente dependentes do programa emergencial foi significativamente maior no Nordeste. Mas no Rio de Janeiro, onde o desemprego cresce em ritmo ainda maior que no Nordeste — e a pobreza também, antes do auxílio –, o fim do benefício pode ser considerado igualmente traumático.

“Se o auxílio acabar, eu e minha família podemos passar fome”, disse à Rio de Paz Raquel Xavier, 36 anos, sete filhos e marido que vive de biscate. Eles moram na comunidade do Quiabo, Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio. A ONG ouviu vários moradores e diferentes favelas cariocas sobre o fim do benefício. E realizou um protesto em Brasília, que foi interrompido pela polícia local, causando indignação e dúvidas sobre a real liberdade de expressão do povo brasileiro.

Foto: Rio de Paz

 Para Duque, o auxílio recompensou os efeitos do mercado de trabalho para muitas famílias, mas a forma como o governo escolheu fazer a transição para o fim do benefício não foi boa..

Sobre a substituição do auxílio pela ampliação do Bolsa Família, Duque avalia que a medida poderia ajudar, mas não deve resolver o problema: “se fosse uma expansão grande seria pelo menos razoável, porque o Bolsa Família tem um bom desenho, seria interessante. O problema todo é que a situação também é improvável, porque mesmo a expansão do Bolsa Família precisa de alocação de recursos e o governo está muito sem capacidade de ver da onde eles vão vir”.

O governo anunciou recentemente convênio com Banco Mundial para incluir mais três milhões de pessoas no Bolsa Família.

O alerta para a disparada da miséria não se limita ao Brasil; é um movimento global. A ONU alertou recentemente que o número de pessoas vulneráveis que dependerão de ajuda para sobreviver vai aumentar 40% em 2021.

 Enquanto isso, estados e municípios tentam se preparar para 2021 da maneira que podem. 

Em coletiva na tarde de hoje (11 de dezembro), o governador de São Paulo, João Dória, declarou que 12 estados e 912 municípios já formalizaram interesse pela CoronaVac, vacina produzida em parceria internacional do Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech.  Com a vacina, a segurança da retomada e manutenção da rotina econômica pode ser garantida sem riscos de vida.

Niterói: mais auxílio e vacina

A cidade de Niterói, no estado do Rio, está atuando nas duas frentes: tanto na imunização da população quanto no aspecto social. A prefeitura anunciou que vai prorrogar até março os programas Renda Básica Temporária, de auxílio às pessoas em situação de vulnerabilidade social, e Empresa Cidadã, destinado a empresas, entidades religiosas e organizações sindicais com até 19 funcionários. 

Paralelamente, a Câmara de vereadores de Niterói autorizou a compra de vacinas para imunizar a população.

Em Maricá, também no Rio de Janeiro, a Câmara Municipal começou a analisar, nesta quarta-feira (09/12) a proposta da Prefeitura de prorrogação por mais 3 meses dos programas de amparo ao trabalhador PAT e do emprego (PAE), além do  Renda Básica de Cidadania (RBC), popularmente conhecido como “Cartão Mumbuca”. O projeto foi aprovado no primeiro turno e passará por nova votação no próximo dia 14.

Pobreza caiu com auxílio

O índice de pobreza, calculado com base em quem recebe até um terço do salário mínimo (R$348 hoje) ficou na faixa de 11% em setembro, contrastando com os 18,7% do final do ano passado, segundo análise do sociólogo Rogério Barbosa, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) .

O resultado é fruto das medidas emergenciais implementadas em 2020 para conter os danos provocados pela pandemia da covid-19. O auxílio emergencial ampliou a renda da população mais pobre, – em valores inéditos, diga-se, pois as primeiras parcelas de R$600 representavam quantia maior do que a renda domiciliar de muitas pessoas – alavancando o indicador de pobreza.

Por outro lado, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda “segurou” o vínculo empregatício de boa parte dos trabalhadores formais a partir do incentivo a acordos de redução de jornada e salários. As reduções, no entanto, fizeram cair a renda desses trabalhadores, que em sua maioria compõem a metade superior da camada social (com renda per capta acima de R$1.000).

Assim, o saldo das políticas sociais de contenção da crise foi o aumento no indicador de pobreza e a diminuição dos índices de desigualdade. De acordo com o método utilizado pelo Banco Mundial – baseado em U$5,50 per capta por dia, ou R$434 por mês – a taxa de pobreza no país saiu de 22,7% em maio, para 11,6% em setembro. Antes da pandemia, em 2019, os valores fecharam o ano em 24,6%.

Barbosa, que é especializado em métodos quantitativos e estratificação social, explica que os índices de medição de pobreza no Brasil são diferentes daqueles utilizados pelo Banco Mundial, o que gera descompasso nas análises: “É importante ressaltar o quanto que isso [a pobreza] é frágil de medir, porque você tem vários indicadores e é difícil combiná los”.

Na avaliação do pesquisador, os indicadores formulados para situações normais não são suficientes para o estado de calamidade da pandemia. Isso porque a forma mais comum de se medir a pobreza é através da renda, excluindo-se outros fatores de condição de vida também determinantes, como habitações precárias, falta de acesso a serviços públicos e de infraestrutura urbana, dentre outros.

Por isso, as melhorias trazidas pelas políticas emergenciais, apesar de importantes, não resolvem a estrutura escondida por trás dos números: “temos um índice de Gini ( medidor da desigualdade social) que não víamos desde a década de 70. Empregos fechados, comércios falidos, consequências que demoram a se recuperar”.

Edição de Sabrina Lorenzi