O isopor que embala o hambúrguer, o papelão que guarda a pizza, os guardanapos que vêm na sacola de papel junto com sachês de ketchup e mostarda. Tudo isso em apenas um pedido individual. O iFood processou 46 milhões de pedidos como este em apenas um mês durante a pandemia.

O isolamento social provocou uma mudança radical no perfil de compra — e no lixo — dos brasileiros. O comércio online, com serviços de entrega por aplicativos, fez disparar em 30% a coleta de materiais recicláveis no Brasil, segundo apurou a Agência Nossa junto à Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Mas a reciclagem não acompanhou o aumento da produção e coleta do lixo reciclável. Por razão de segurança, cooperativas de reciclagem interromperam as atividades durante os primeiros meses da quarentena.

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São Paulo, a cidade mais populosa e portanto a que mais gera lixo no Brasil — aproximadamente 10% dos lixo produzido em território nacional, com 12 mil toneladas diariamente, exemplifica bem o gargalo.

“A fim de assegurar a saúde dos cooperados habilitados no Programa Socioambiental de Coleta Seletiva, as 24 cooperativas habilitadas no programa, que processavam parte dos materiais recolhidos na cidade, suspenderam suas atividades de março a outubro deste ano”, revela a Gerente de Planejamento da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB), Cristina Fabris.

Mesmo com a interrupção das atividades durante sete meses, a coleta de recicláveis pelas cooperativas de São Paulo aumentaram neste ano. Foram coletadas 85.8 mil toneladas de recicláveis – enquanto no mesmo período de 2019, foram recolhidas 72.3 mil toneladas.

Em análise realizada pela AMLURB, do início da quarentena até novembro deste ano, os resíduos provenientes da coleta seletiva aumentaram 22%, o equivalente a 11.5 mil toneladas de resíduos a mais que no mesmo período em 2019.

Mesmo com aumento da coleta, reciclagem não deu conta do lixo, Foto: Divulgação

Foto: Divulgação


“Mesmo com (a interrupção e) retomada gradual das atividades econômicas a partir de agosto deste ano, as quantidades recolhidas via coleta seletiva segue maior que no mesmo período do ano passado, indicando que este aumento durante o auge da pandemia esteja se consolidando como um novo patamar”.

Os recicláveis foram encaminhados para as duas centrais mecanizadas da cidade, que possuem capacidade para operar 500 toneladas por dia – 250 cada, acrescentou.

A reciclagem foi um dos poucos serviços que parou na pandemia. Durante o período de quarentena, iniciado em março deste ano devido à pandemia do novo coronavírus, o serviço de coleta de lixo domiciliar presente nos 96 distritos do município de São Paulo continuou operando normalmente, assim como o funcionamento de outros serviços públicos.

A disparada nos pedidos de entrega do iFood reflete em boa parte a readaptação por parte dos restaurantes que viram na digitalização uma resposta à crise. Na frente ambiental, a empresa destaca embalagens sustentáveis para os estabelecimentos parceiros como alternativa à produção de resíduos.

Responsabilidade das empresas

“Desde o ano passado, a empresa oferece uma área dedicada à venda de embalagens sustentáveis no iFood Shop, o nosso marketplace de venda de insumo e embalagens. Além disso, em parceria com a EuReciclo, realizamos a compensação ambiental de 120 toneladas de embalagens utilizadas pelo Loop em 2019”, afirma a empresa em nota.

Nesse contexto, certificadoras como a EuReciclo nascem com o papel de garantir que empresas cumpram com seu papel de responsabilidade ambiental. Através do conceito de compensação e logística reversa, a empresa rastreia notas fiscais dessas instituições parceiras e remunera os agentes pelo serviço ambiental de coleta e triagem de materiais.

O representante do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Tião Santos, cobra das empresas ações mais efetivas para incentivar a reciclagem.

“Não é uma coisa só que vai mudar. Se não houver uma mudança de postura por quem produz a embalagem, ou seja, da indústria produtora de embalagem e poluidora, as coisas não funcionam. Porque quem produz tem mais responsabilidade do que quem recicla (…) Cada embalagem tem um nome, uma marca e um CNPJ. Essas empresas e indústrias precisam ser responsabilizadas e precisam assumir sua responsabilidade na gestão compartilhada”, aponta.

Isopor é gargalo

Ao contrário do alumínio e das garrafas pet, por exemplo, o isopor, muito utilizado ainda nos serviços de delivery, não é um material que costuma ser reciclado com frequência.

O fundador e CEO da Eureciclo, Thiago Pinto afirma que a logística reversa de embalagens aliada à tecnologia é uma das ferramentas mais importantes para ajudar a sociedade a evitar uma crise sanitária e ambiental pós pandemia. Ele acredita ser necessário que as empresas repensem os seus tipos de embalagens para diminuição de resíduos e principalmente desenvolvam embalagens mais recicláveis alinhado com programas que fomentem a sustentabilidade.

“Para que a logística reversa possa, de fato, realizar uma mudança estrutural no país, é essencial repensarmos o ciclo do produto e o engajamento de todos os atores. Só assim podemos amadurecer a cadeia de reciclagem no Brasil. Olhando para o futuro, em um cenário positivo, ao cumprirmos nosso papel de conscientizadores acerca da importância da logística reversa e reciclagem, o consumidor pós Covid-19 estará mais preocupado com o planeta e, após refletir que o lixo que gera quase não é reciclado, terá um posicionamento mais crítico com as marcas das quais consome e optará por produtos mais sustentáveis”, explica

O Movimento Recicla Sampa é uma parceria entre as concessionárias de resíduos que atuam na cidade de São Paulo, Loga e Ecourbis, com apoio da Prefeitura, e tem como meta ampliar os índices de coleta seletiva e reduzir em 500 mil toneladas o montante de resíduos enviados aos aterros municipais no período de quatro anos, conforme apresentado no Plano de Metas da Prefeitura de São Paulo para 2020.

Edição de Sabrina Lorenzi