Entregues nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro, a Medida Provisória para reformular o principal programa social do Brasil e a proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata do pagamento de precatórios pela União levantaram debates entre especialistas. Não apenas pelo seu teor fortemente político mas principalmente pelo impacto que causará às contas públicas.

A MP 1.061/2021 cria os programas Auxilio Brasil e Alimenta Brasil para substituir, respectivamente, o Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Já a PEC seria a alternativa financeira para viabilizar as mudanças no Bolsa-Família.

“Dá para entender, em termos bem informais, que o governo está dando um calote nos seus credores. Ele tinha o compromisso de pagar alguns bilhões de precatórios no ano que vem, daí decidiu, monocraticamente, parcelar isso em dez vezes, gostando os credores ou não. A partir disso surge uma discussão jurídica, porque a gente sabe que mesmo a MP sendo aprovada, depois, certamente, o Poder Judiciário vai ser acionado, portanto não existe uma garantia de que isso será executado”, diz o economista e professor de Macroeconomia do Ibmec Renato Veloni.

Últimas notícias:

Destruição da Amazônia é segunda pior da série

Governo aprova nova reforma trabalhista para enfrentar pandemia 

Baía de Guanabara ganha mapeamento de economia sustentável

O presidente da Câmara, Arthur Lira, por outro lado, nega que a tentativa de parcelamento de precatórios seja um calote. Segundo ele, não há como pagar o valor de R$ 90 bilhões em dívidas em 2022 sem estourar o teto de gastos, o que é defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

A PEC dos Precatórios pretende alterar as regras de pagamento das dívidas do governo reconhecidas judicialmente, promovendo um parcelamento de precatórios com valor superior a R$ 66 milhões em dez vezes. Além disso, planeja-se corrigir os débitos pela taxa Selic, atualmente em 5,25% ao ano. Porém a proposta não está sendo bem vista por economistas e especialistas do mundo financeiro.

“Não queremos romper o teto, e o Brasil não pode dar calote. A ideia da PEC é ajustar esses pagamentos e fazer um parcelamento com o restante dos débitos. [Esse valor de R$ 90 bilhões] engessa e estraga o Orçamento e as contas publicas”, declara Lira.

Contas não fecham

O que destoa e leva a críticas de especialistas, é que, mesmo em meio a uma crise econômica e dívidas a quitar, o governo apresentou também a criação de um novo programa social, o Auxílio Brasil, instituído através da MP publicada na última terça-feira (10) no Diário Oficial da União. A reformulação do Bolsa Família pretende ampliar o valor pago atualmente pelo auxílio e o número de beneficiados.

Apesar de considerada por especialistas como uma medida social e economicamente eficaz para o País, a criação do Auxílio Brasil está sendo questionada devido a origem dos recursos para o seu financiamento.

“A iniciativa de reformar o Bolsa Família é boa no sentido social, no sentido econômico e no sentido de contas públicas. Porém o problema é que estão querendo financiar isso de um de um lugar onde não existe dinheiro. Se o governo conseguir aprovar a PEC e ainda conseguir convencer a Justiça de que isso é plausível, teríamos recurso no orçamento e ainda sobraria alguma “gordura”. Mas o problema é que, ainda que tudo dê certo, essa fonte de financiamento não é sustentável a longo prazo”, afirma o professor e economista do Ibmec.

Mais do mesmo

Especialistas criticam o fato de a nova versão não apresentar solução para resolver o problema da fila de espera, talvez o maior gargalo atualmente do programa. E com isso não resolveria efetivamente o problema do aumento da pobreza.

A ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania do governo federal e socióloga Letícia Bartholo disse, em rede social, que o “recado é simples: não nos desviemos do essencial. Cuidado pra não se deixar seduzir com o discurso dos penduricalhos, enquanto o combate à pobreza está em frangalhos”.

A fome voltou a crescer no Brasil. Foto: Tony Winston/Agência Brasília

O governo projeta a definição do novo valor a ser pago pelo Auxílio Brasil para setembro, e o começo do pagamento para novembro. O presidente Jair Bolsonaro prometeu um aumento de, no mínimo, 50% para o valor médio, que atualmente é de R$ 189 no Bolsa Família, e que poderia chegar a R$ 283,50. Mas, segundo a Agência Senado, há discordância entre as alas política e econômica do governo quanto ao percentual de aumento.

O Auxílio Brasil começa a valer em 90 dias e tem como objetivo oferecer nove tipos de ações de transferência de renda por meio de benefícios financeiros a famílias em situação de extrema pobreza e de pobreza. O núcleo básico será composto por três benefícios: o Benefício da Primeira Infância, destinado a famílias com crianças de até três anos; o Benefício Composição Familiar, pago a famílias com gestantes ou pessoas com idade entre 3 e 21 anos incompletos; e o Benefício de Superação de Extrema Pobreza, voltado a famílias com renda familiar mensal per capita igual ou inferior ao valor definido como linha de extrema pobreza.

Inflação não mela planos

Outra preocupação que tem aparecido juntamente com a divulgação do novo benefício é a influência da inflação na mudança do programa social. Mas, segundo o economista Renato Veloni, o que é prejudicial para a sociedade como um todo, deve ser um “respiro” para a União.

“A inflação não seria um problema a afetar os programas sociais do governo, ao contrário, ela costuma até dar um alívio momentâneo para as contas públicas. Nesse cenário de elevada inflação, provavelmente o governo vai perceber que o orçamento vai estar um pouquinho menos apertado do que foi inicialmente planejado, porque com o aumento do preço dos produtos, vem um aumento no imposto. O que é um problema para a sociedade inteira, não é para o governo, que consegue automaticamente o ajuste da sua remuneração”, ressalta Veloni.

O texto da MP determina que os valores dos benefícios serão estabelecidos e reavaliados pelo Executivo, regularmente, “em decorrência da dinâmica socioeconômica do País e de estudos técnicos sobre o tema”, diz a Agência Câmara de Notícias. Os referenciais para caracterização de situação de pobreza ou extrema pobreza e faixas etárias utilizadas como critérios também ficarão sujeitos a reavaliações periódicas.

Bolsonaro volta atrás

Vale lembrar que em abril de 2010, enquanto ainda era deputado federal, Jair Bolsonaro chamou, em sua conta do Twitter, o Bolsa Família de “Bolsa Farelo”, dando a entender que o programa social era uma espécie de “esmola” responsável por manter o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder.

De acordo com a Medida Provisória, para uma família se manter como beneficiária do Auxílio Brasil é necessário cumprir as seguintes condições: realizar o exame pré-natal; seguir o calendário nacional de vacinação; e assegurar que os filhos respeitem a frequência escolar mínima. Basicamente as mesmas condições que já são impostas no Bolsa Família.

Além do núcleo básico, o novo Bolsa Família disponibilizará benefícios acessórios, que podem se somar aos principais, como: o Auxílio Esporte Escolar; a Bolsa de Iniciação Científica Júnior; o Auxílio Criança Cidadã; o Auxílio Inclusão Produtiva Rural; e o Auxílio Inclusão Produtiva Urbana.

Os atuais beneficiários do Bolsa Família, criado em 2003 e revogado pela MP, poderão ter direito ao Benefício Compensatório de Transição, a fim de reparar possível redução no valor total.

A MP também implementa o Programa Alimenta Brasil, em substituição ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003. A finalidade continua a mesma do programa anterior: promover o acesso à alimentação por meio de compras governamentais e incentivar a agricultura familiar.