A inflação dos mais pobres já atinge dois dígitos e supera a média da alta de preços para todas as classes sociais. Economistas alertam que conter o avanço de preços é fundamental para evitar que a desigualdade social cresça ainda mais no Brasil.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), pesquisa do IBGE que analisa a variação de preços da cesta de consumo da população assalariada com mais baixo rendimento do País, acumula alta de 10,42% em um ano. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação, ficou em 9,68% no mesmo período. Em agosto, os brasileiros amargaram a maior inflação desde o ano 2000, de 0,87%, quase o mesmo registrado pelo INPC para os menos abastados.
“O cenário do Brasil é muito grave, porque a situação atual amplia a desigualdade. Por isso, é muito importante a gente combater a inflação, exatamente para que ela não prejudique aqueles que são menos favorecidos e que têm uma proteção menor no processo inflacionário. Os menos favorecidos não têm como proteger o patrimônio no investimento; eles ganham o salário e o consomem imediatamente e basicamente tudo é gasto com alimentos”, afirma o economista da FGV, André Braz.
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O chefe das pesquisas de preços da FGV lembra que a inflação forte no setor de alimentos está afetando mais os pobres, causando uma diminuição do padrão de vida das famílias mais humildes, que têm sofrido também com o desemprego.
A carne vermelha subiu 30,77%; frango, 26%; linguiça, 22,02% e ovo de galinha, 14,26%.
Os cereais, leguminosas e oleaginosas, muito presentes no prato do brasileiro, aumentaram 25,39%. Nesse setor, o arroz subiu 32,68% e o feijão fradinho, 40,28%.
Carne por ovo
A cuidadora de idosos Danielle Andrade mora conta que passou a substituir alguns alimentos e a comprar marcas mais baratas no supermercado.
“Ultimamente tem sido bastante difícil ir ao mercado. Com a alta dos preços fica complicado trazer tudo o que precisamos. O total das compras dobrou praticamente. Antes costumava comprar mais carne bovina, mas agora tenho substituído mais. Porém o frango, a calabresa, o peixe também estão aumentando; daqui a pouco vai ficar ruim até para comprar ovo. Mas eu espero que volte ao normal logo, porque do jeito que está não está dando, a cada dia fica mais difícil.”
O economista da Universidade Paulista André Galhardo esclarece que mesmo se o impacto da atual inflação estivesse mais equilibrado entre as classes, de qualquer forma quem tem menos sentiria mais.
“Nesse momento talvez a situação esteja mais aguda, mais problemática, até porque além de ter um impacto maior, as pessoas estão recebendo menos por conta da pandemia, estão trabalhando menos do que gostariam, então a gente tem uma situação de deterioração do mercado de trabalho contribuindo para essa penalização das pessoas que têm menos recursos”.
Alta vai além dos alimentos
De acordo com o economista André Braz, diferentemente do ano passado, em que a inflação esteve concentrada nos alimentos, este ano ela está chegando a outros segmentos da economia, provocando alta generalizada.
“A gente tem várias altas importantes. Primeiro da energia, depois dos combustíveis, álcool e gasolina, depois dos alimentos, principalmente das carnes, bovina, suína e de aves. Tem também um aumento forte do arroz. Além disso, estamos vendo o aumento gradual no setor de serviços, na medida que a economia volta à normalidade. E por fim, estamos assistindo a um aumento também de bens duráveis, como carro, máquina de lavar, geladeira, fogão, televisão e celulares, por exemplo.”
Os combustíveis para veículos subiram 41,33%; o etanol aumentou 62,26%; a gasolina, 39,09%; o diesel, 35,42% e o gás natural veicular, 33,18%. Já a energia elétrica e residencial aumentou 21,08%.
O gás de botijão, elemento indispensável na maioria das residências brasileiras, subiu 31,70%, impactando com força as contas de casa de milhares de pessoas.
Combate à dívida e à Covid
Para Braz, economista da FGV, o que deve ser feito agora para controlar o aumento dos preços, atraindo investimentos e gerando emprego e renda, e diminuir a incerteza no País, é combater a Covid-19, combater a dívida pública e sanear as contas do Estado.
“A gente tem que primeiro privilegiar a estabilidade do nosso câmbio, e essa estabilidade cambial vem com a política monetária assertiva, que é o que a gente tá fazendo, subindo os juros para atrair investimentos estrangeiros, vem também através de políticas de combate à Covid-19, porque sem o combate à Covid a nossa economia não cresce, não se desenvolve e não retoma a normalidade, e também por meio do saneamento das contas públicas, evitando que o governo se endivide mais.”
André Braz também esclarece que o Banco Central já está fazendo o que pode para tentar controlar a inflação, que é aumentar os juros, medida que combate a demanda. Porém essa atitude gera um PIB abaixo de 2% no ano que vem, menor do que o inicialmente previsto.
“A taxa básica de juros, a Selic, é o melhor remédio que a gente tem contra a inflação. Só que todo remédio tem um efeito colateral. Na medida em que a gente aumenta os juros, a gente encarece o dinheiro, então quem vai captar recursos para investir na atividade produtiva vai encontrar o dinheiro cada vez mais caro, diminuindo o fôlego para o investimento. A inflação é a prioridade, conviver com a inflação alta é muito perigoso, porque cada ano que passa ela fica mais difícil de ser controlada, e inflação boa é inflação na meta.”
Esperança
A auxiliar de serviços gerais e dona de casa Marta de Paula sente que a cada ida semanal ao mercado os preços estão mais elevados.
“Muitas vezes quero comprar alguma coisa que eu tô acostumada a comprar, uma marca boa, mas, enfim, acabo deixando de trazer, substituindo uma por outra porque o dinheiro não dá, não é o suficiente”
Marta é moradora da cidade do Rio e ficou desempregada por conta da crise provocada pela pandemia, mas relata que tem esperança de dias melhores e no retorno ao estilo de vida que tinha antes.